Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

José Casado Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por José Casado
Informação e análise
Continua após publicidade

Utopia amazônica

Em Belém, Lula e governantes falaram do futuro e pouco disseram sobre a realidade

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 Maio 2024, 22h52 - Publicado em 11 ago 2023, 06h00

Poetas usam muros para provocar quem passa na rua. Em Brasília um rabiscou: “Vou me ater aos fatos”. No Rio outro pichou: “Nada é permanente, exceto a mudança”.

Em Belém, governantes dos países amazônicos demonstraram que mudança é, de fato, uma das palavras mais sedutoras da política. Lula decretou com o entusiasmo de quem refunda o país a cada nascer do sol: “A partir desse encontro as coisas vão mudar, as discussões sobre as questões da Amazônia serão medidas a partir de agora, entre antes e depois dessa reunião”.

Amazônia virou sinônimo da utopia necessária na política da época de terra fervendo, oceanos febris e geleiras derretendo. A reunião de Belém, nesse sentido, pode ser vista como um avanço, a renovação do pacto assinado num julho de 45 anos atrás pelo Brasil e oito países vizinhos com a promessa de “desenvolvimento harmonioso e integrado” da região, uma das mais ricas em biodiversidade.

Quase nada aconteceu desde então, por absoluta falta de interesse dos governos. No caso brasileiro, a indiferença de Brasília foi permeada pelos devaneios de uma esdrúxula aliança da direita militar e da esquerda militante sobre a invasão “imperialista” dessa metade do território nacional (Essa coalizão foi, também, responsável pela reserva de mercado na lei de informática, de 1984, que marginalizou o país no início revolução digital.)

A retomada da conversa em Belém mostrou como os governos amazônicos ainda patinam em coisas fundamentais, em contraste com a mobilização social — as organizações ambientais invadiram as ruas da capital paraense com mais de 10 000 militantes não residentes.

Ficou nítida a preferência dos governantes pela retórica pontuada de excesso de voluntarismo. Ficou cristalina, também, a escassez de confiança para iniciativas conjuntas que propiciem, efetivamente, a abertura da nova fronteira de negócios na transição energética, numa área de rarefeito conhecimento científico e extensa o suficiente para abrigar metade da Europa apenas do lado brasileiro.

Lula encontrou um palco novo para vazar a ambição de reconhecimento de liderança num mundo que vem sendo reformatado no confronto comercial e tecnológico dos Estados Unidos com a China.

Continua após a publicidade

“Lula e governantes falaram do futuro e pouco disseram sobre a realidade”

Mais uma vez foi contestado na sua ambivalência, notória na abordagem de questões essenciais. Gustavo Petro, presidente da Colômbia, questionou-lhe o desejo de exploração de petróleo e gás na bacia amazônica. Propôs banir as atividades baseadas em combustíveis fósseis e fazer da Amazônia uma vitrine da transição energética mundial.

Lula sonha com a Petrobras anunciando um novo “pré-sal” na foz do Rio Amazonas, porque os poços abertos no Sudeste — o “passaporte para o futuro”, como dizia nas campanhas presidenciais de 2006 e 2010 — têm prazo de validade na virada da década.

Ele flutua com a Petrobras num oceano de incertezas sobre a existência de óleo na chamada margem equatorial, entre o Amapá e o Rio Grande do Norte. Já o colombiano Petro não tem propostas consistentes sobre como gerar riqueza numa economia sem petróleo e gás.

Curioso é que nessa reunião presidencial sobre o futuro houve um rarefeito destaque às emergências amazônicas do presente, como a preguiça dos governos federal, estaduais e municipais do Brasil no avanço dos serviços de água, de coleta e de tratamento de esgoto na região.

Lula discursou sobre meio ambiente numa Belém carente de saneamento básico: a rede de esgotos não alcança um quinto do milhão e meio de habitantes e um terço segue a vida sem acesso ao sistema de água tratada.

Continua após a publicidade

Antes de ele chegar à Presidência, em 2003, as principais cidades da Amazônia se destacavam entre as 100 com piores condições sanitárias do país. Desde então, o Brasil teve quatro presidentes. Lula está no terceiro governo, mas Belém, Ananindeua, Santarém, Marabá, Manaus, Macapá, Porto Velho e Rio Branco continuam onde sempre estiveram — na penúria ambiental e sanitária.

Nas capitais do Amapá e de Rondônia, por exemplo, a rede de esgotos não chega a um décimo das residências. A ausência de coordenação governamental levou a extremos como o de Macapá, onde os investimentos estatais em saneamento básico estão estagnados na faixa de 5% daquilo que os próprios governos estabeleceram como mínimo necessário (203 reais por habitante ao ano).

Belos discursos sobre a Amazônia e o futuro do clima no planeta podem emoldurar a nova utopia política, mas só ganham efetividade quando governos se empenharem na mudança desse meio ambiente degradado para os humanos das cidades amazônicas.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.