O flerte de Arthur Lira com a anistia aos parlamentares extremistas
Roteiro para o perdão coletivo começou a ser desenhado em gabinetes parlamentares dois meses antes da invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF
O presidente da Câmara, Arthur Lira, fez uma investigação particular sobre a participação de cinco parlamentares alinhados a Jair Bolsonaro e suspeitos de apoio à invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal.
O método Lira de apuração, ele contou na segunda-feira (16), foi uma conversa com três deles: o mineiro Nikolas Ferreira, o cearense André Fernandes, do Partido Liberal, e a pernambucana Clarissa Tércio, do seu Partido Progressistas.
Logo concluiu: “Eu não vi, nos três parlamentares, Nikolas, André e Clarissa, nenhum ato que corroborasse com os inquéritos.”
A referência aos “inquéritos” foi, provavelmente, um lapso de candidato em busca de votos para a reeleição na presidência da Câmara.
Não há menção aos três deputados na investigação sobre instigadores da insurreição que o Ministério Público pediu ao STF, na quarta-feira passada (11). Quem aparece é a deputada Silvia Waiãpi, do PL do Amapá. Alertado, Lira corrigiu-se, acrescentando não ter informações sobre Waiãpi.
O trio de deputados extremistas que o presidente da Câmara isentou foi citado em outro pedido de inquérito ao STF, apresentado por um grupo de advogados ligados ao governo e ainda sem resposta.
Lira, no entanto, acha cabível penalização em casos como o deputado Abílio Brunini, do PL do Mato Grosso. Ele gravou um video na Câmara dizendo ser “mentira” a destruição da sede do Congresso por bolsonaristas radicais, apesar das notórias evidências, documentadas e repassadas pelo próprio Lira à Procuradoria-Geral da República.
O flerte do presidente da Câmara com uma anistia prévia, e seletiva, a parlamentares extremistas pode estar vinculado aos seus interesses na campanha interna pela reeleição.
É certo, porém, que o roteiro para uma anistia ampla, geral e irrestrita começou a ser desenhado em gabinetes parlamentares dois meses antes da invasão das sedes do Congresso, do Planalto e do STF.
Ganhou forma no fim de novembro, com o projeto de lei (nº 2858/22) do deputado Vitor Hugo, do Partido Liberal de Goiás, um ex-oficial de Operações Especiais escolhido por Bolsonaro como líder na Câmara.
Antes do natal, outra proposta (nº 2954/2022) foi apresentada pelo deputado José Medeiros, do PL de Mato Grosso, um ex-policial rodoviário e sob investigação do STF por apoio aos invasores.
Hugo propõe perdão a todos “manifestantes, caminhoneiros e empresários”. Medeiros sugere remissão de culpa nos “atos individuais, coletivos, ou de financiadores”.
A nova legislatura deve começar em duas semanas animada por uma CPI da Insurreição, com pedidos de cassação de mandatos de deputados federais e senadores que se voluntariaram, instigando e até apoiando material e financeiramente o ataque no domingo 8 de janeiro.
A condescendência ensaiada por Lira, na essência, traduz a aversão corporativa à punição de parlamentares associados à convocação da intentona bolsonarista.
Deve esbarrar na resistência organizada do outro lado da praça dos Três Poderes. Na sede depredada do STF, a 500 metros de distância do Congresso, prevalece um consenso: não abrir espaço para a “ignóbil política de apaziguamento”, como define Alexandre de Moraes, juiz-relator dos processos sobre a insurreição e presidente do Tribunal Superior Eleitoral.