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No colapso do SUS, militares não abriram hospitais a civis

Leitos ociosos em hospitais militares permaneceram bloqueados aos civis, apesar do colapso na rede pública e privada em cidades como Manaus

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 6 jul 2021, 09h20
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  • Em janeiro, o Amazonas vivia o caos provocado pelo descontrole da disseminação do vírus. Morreram 3.556 pessoas, segundo os dados governamentais. Faltava oxigênio nas unidades de terapia intensiva e vagas no sistema hospitalar público e privado. A situação era de colapso sanitário, mas existiam leitos ociosos nos hospitais militares de Manaus. Eles continuaram vagos, bloqueados aos civis, e doentes precisaram ser transferidos a outros estados.

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    Não se sabe se o Ministério da Saúde, sob comando do general Eduardo Pazuello, requisitou ou não os leitos disponíveis nos hospitais militares. É certo que gastou-se dinheiro na contratação de vagas em estabelecimentos privados, embora existissem leitos custeados pelo orçamento público no sistema médico-hospitalar das Forças Armadas.

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    Situação similar ocorreu, também, no Rio Grande do Sul, no Rio Grande do Norte e no Distrito Federal. Leitos ociosos permaneceram bloqueados aos civis, apesar dos apelos dos governos locais, como indicam documentos obtidos pela CPI da Pandemia.

    A rede das Forças Armadas é ampla. Apenas o Exército mantém 29 hospitais, 4 policlínicas e 28 postos médicos em todo o país, ao custo de R$ 2,64 bilhões por ano (47% dos gastos são com pessoal).

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    O Tribunal de Contas da União, que desde março do ano passado verifica as decisões do governo federal na pandemia, resolveu averiguar porque os hospitais militares não foram — e não estão sendo — utilizados para atendimento à população civil na emergência de uma crise sanitária sem precedentes, com mais de 524 mil mortes até à noite de ontem, um número de vítimas 8% maior do que o efetivo somado do Exército, Marinha e Aeronáutica (425,5 mil em armas).

    Em resposta a uma consulta do tribunal, o Ministério da Defesa demonstrou uma peculiar visão do papel das Forças Armadas no socorro aos brasileiros reféns de uma catástrofe sanitária nacional: a rede hospitalar militar “não pode ser aberta ao atendimento da população civil, mesmo numa calamidade pública”, porque isso “poderia comprometer toda a atuação das Forças Armadas, sobrecarregaria o SUS e o sistema militar de saúde, contrariaria o interesse das Forças Armadas e resultaria em desvio de finalidade” — alegou a Consultoria Jurídica da Defesa.

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    Acrescentou, conforme o TCU: “A utilização dos leitos dos hospitais militares para atendimento da população em geral acometida com Covid-19 poderá levar ao colapso do sistema de saúde militar, acarretando risco de demandas judiciais em desfavor da União, com vistas a obter indenização por parte dos militares e demais beneficiários que tiverem seu direito ao atendimento médico-hospitalar cerceado, impedido ou prejudicado em favor de pessoa não beneficiária.”

    O Comando da Marinha reafirmou ao tribunal o que disse a Defesa, e complementou com o argumento da “atenção especial” conferida à assistência médico-hospitalar dos militares pelo “ordenamento jurídico”. Fez questão de citar uma legislação específica (Lei nº 13.979), editada no ano passado, em meio à pandemia, que caracterizou o sistema de saúde das Forças Armadas como uma “atividade essencial”.

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    A cúpula das Forças Armadas transformou o compartilhamento de leitos de hospitais militares com a população civil, para tratamento da Covid-19, numa questão de risco à soberania e à segurança do país.

    Paradoxalmente, são os civis que financiam, via tributos, 78% do sistema de saúde da Marinha, 77% da Aeronáutica, 65% do Exército e 88% dos gastos realizados em um hospital (HFA) vinculado ao Ministério da Defesa, em Brasília.

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    Fiscais do tribunal de conta mergulharam nos dados sobre esse sistema hospitalar deixado à margem do atendimento público. Descobriram que os militares da ativa representam somente 27,7% do total de beneficiários do sistema de saúde das Forças Armadas. São 370,5 mil servidores dos quartéis e outras 968,6 mil pessoas, na maioria civis.

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    O Hospital das Forças Armadas, vinculado à Defesa, funciona como um clube privado financiado com dinheiro público (88%). Admite atendimento a civis, desde que sejam servidores do ministério, empregados do próprio hospital e da Escola Superior de Guerra, e integrantes do corpo diplomático estrangeiro credenciado no país ou seus dependentes.

    Detalhe relevante é que, mesmo tendo um sistema exclusivo, os militares também são atendidos pelo Sistema Único de Saúde e têm acesso à rede privada, à qual se associam em caráter particular ou por meio dos convênios mantidos pelos fundos de saúde específicos do Exército, Marinha e Aeronáutica. Na população civil o quadro é muito diferente: dois em cada três brasileiros têm no SUS a única possibilidade de atendimento médico-hospitalar.

    O trabalho dos auditores do TCU desmontou a argumentação da cúpula militar sobre riscos à soberania e à segurança nacional no compartilhamento de leitos hospitalares com civis, na pandemia.

    Ontem, o tribunal determinou que leitos clínicos e unidades de terapia intensiva sejam abertos a civis atendidos pelo Sistema Único de Saúde, quando houver colapso na rede pública.

    Do episódio restaram para a História registros de uma estranha e elitista visão da cúpula das Forças Armadas sobre a população civil num momento de catástrofe sanitária — num injustificável esforço de equidistância de quem, na paz ou na guerra, sempre paga a conta.

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