Uma semana depois, o governo ainda não sabe o que causou o apagão de eletricidade em 25 Estados, na semana passada.
Sem respostas plausíveis, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, segue expondo-se na perplexidade: “Infelizmente, nós somos surpreendidos pelos técnicos do ONS [Operador Nacional do Sistema], pelos diretores do ONS, inclusive seu diretor-geral, com uma insegurança em apontar tecnicamente quais seriam os motivos do apagão” – disse nesta segunda-feira (21/8).
A insegurança predomina no setor de energia. No fim de semana, a empresa estatal Indústrias Nucleares do Brasil admitiu o desaparecimento de cápsulas com urânio enriquecido (gás hexafluoreto de urânio ou UF6).
O governo também não sabe explicar o sumiço de um par de tubos de oito centímetros de comprimento, cada um com cerca de oito gramas de urânio enriquecido comprado da Urenco, consórcio de indústrias nucleares da Alemanha, Holanda e Inglaterra.
Eram amostras de gás UF6 usado na produção de combustível para as usinas de Angra dos Reis, no Estado do Rio. Estavam armazenadas em instalações da INB em Resende, a 130 quilômetros das usinas nucleares.
São porções demonstrativas do padrão de urânio utilizado na produção dos elementos combustíveis para as recargas das usinas de Angra. Essas amostragens compõem o inventário de material nuclear que é periodicamente verificado durante inspeções das agências internacionais — no caso, a Agência Internacional de Energia Atômica e Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares.
Trata-se de uma grave falha na segurança estatal sobre manipulação e proteção de material radioativo. Deixa o país exposto a sanções previstas nos acordos que subscreveu sobre o uso pacífico de insumos nucleares.
O desaparecimento das amostras de urânio enriquecido foi constatado por uma equipe da Comissão Nacional de Energia Nuclear durante auditoria em julho no armazém da empresa estatal INB.
Num inventário anterior estavam registradas 19 cápsulas, mas só foram localizadas 17 em julho. A INB só admitiu o sumiço depois de revelado pela repórter Tania Malheiros, na semana passada. Em nota pública informou ter avisado sobre “o evento” a Polícia Federal e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Há nesse caso um padrão de comportamento empresarial similar ao adotado 36 anos atrás. Num domingo, 13 de setembro de 1987, dois catadores de materiais recicláveis circulavam pelas ruas de Goiânia quando encontraram um equipamento de radioterapia abandonado. Levaram a máquina para um ferro-velho, desmontaram e um deles se encantou com o brilho azulado do cloreto de césio-137. Levou o produto para casa e presenteou amigos com pequenas porções.
O governo levou quinze dias para divulgar o sumiço do material radioativo. No quarto de século seguinte contaram-se 104 mortos – entre eles, sucateiros e familiares — e outros 1,5 mil doentes por contaminação radioativa.
Desta vez é diferente, alega a INB: “A liberação parcial ou total do conteúdo dos dois tubos [de gás hexafluoreto de urânio] não acarreta danos à saúde de um indivíduo do público em geral ou de um indivíduo ocupacionalmente exposto”. A empresa estatal está sendo contestada por entidades ambientalistas sobre os riscos. Elas indicam um potencial de “acidentes gravíssimos” na manipulação indevida.
Em apenas uma semana o país descobriu-se rendido num apagão de energia e numa grave falha na segurança de material nuclear. Até a noite de segunda-feira (21/8) o governo continuava sem saber o que aconteceu no sistema nacional de eletricidade na semana passada. E também desconhecia o destino das amostras de urânio enriquecido desaparecidas desde o mês passado.