Os deputados Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo, mal se falam e já relutam em compartilhar a mesma mesa.
Eles lideram o agrupamento conhecido como Centrão, que reúne cerca de duas centenas de deputados. É a base parlamentar de Jair Bolsonaro.
Na quinta-feira, Lira chamou os líderes dos partidos para desenhar a pauta de votações das próximas duas semanas, antes do recesso parlamentar.
Nela, reluzia a reforma das regras eleitorais, tema de interesse pessoal da maioria dos 513 deputados, de 24 partidos, com projeto de tentar a reeleição no próximo ano.
Outro tópico da agenda era a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2022. Sem votar essa lei, “não haverá recesso em julho — lembrou Lira — “e, portanto, os trabalhos não serão interrompidos”. Sem a LDO, prevê a Constituição, a Câmara e o Senado continuam funcionando.
A reunião comandada por Lira seguia no costumeiro tumulto, mas havia uma peça fora de lugar naquele quadro: o líder do governo estava em pé, telefone à mão, e não se sentava como fazia habitualmente. Barros escutava, mas parecia ausente.
Em tempos normais, a votação da LDO antes do recesso seria um problema exclusivo do Legislativo. O prazo constitucional vai até 31 de agosto e, por isso, seria indiferente para o governo.
Os tempos mudaram, e, no momento, o tempo corre contra os interesses do governo. Isso porque, se o Congresso não entrar em recesso dentro de duas semanas, no Senado a CPI da Pandemia poderá ter a chance de continuar funcionando. Hoje, ela é uma usina de produção de revelações sobre o desgoverno na pandemia, além das suspeitas crescentes de corrupção em negócios no Ministério da Saúde durante a emergência sanitária.
Para o presidente da Câmara, a CPI significa um incômodo extra, porque o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), é seu principal adversário em Alagoas. E Renan Filho, governador, é candidato ao Senado no próximo ano. Uma dupla de Renan no Senado é o que Lira menos deseja atualmente.
Para o líder do governo, a CPI imobilizada no recesso seria um bálsamo: ele é um dos protagonistas do caso da vacina indiana Covaxin, negócio de R$ 1,6 bilhão (US$ 200 milhões) no Ministério da Saúde, com corretagem privada nacional e produto contratado a preço 1.000% maior do que havia sido anunciado seis meses antes pela própria fabricante. Barros está no centro da investigação da CPI sobre essa transação obscura.
Na reunião de quinta-feira, líderes partidários estranharam a ausência de corpo presente do líder do governo. Barros pouco falou, além do cumprimento genérico e rápido. Lira também se mostrou frio e pouco receptivo, notaram alguns dos participantes. O líder do governo logo saiu da reunião, com o telefone ao ouvido. E a reunião terminou sem consenso.
Todos saíram convencidos da fissura no núcleo do Centrão, também turbinada pela desconfiança da fração liderada por Barros sobre o papel de Lira na denúncia do contrato suspeito da Saúde para compra da vacina indiana, com corretagem privada nacional e sobrepreço de 1.000%.
Foi um devoto do presidente da Câmara, deputado Luis Miranda (DEM-DF), quem contou à CPI que Bolsonaro delatou interesses do líder do governo no contrato suspeito de compra da vacina indiana. Miranda chegou a dizer, em entrevistas, que havia feito uma consulta prévia a Lira, de quem teria recebido sinal verde.
Barros e Lira pertencem ao mesmo partido (PP) e são discípulos do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), pioneiro da virada do milênio nas articulações do agrupamento que, recentemente consolidado, ganhou o apelido de Centrão. Cunha tem visitado Lira com frequência, em Brasília.
Barros e Lira se toleravam, agora mal se falam e evitam a mesma sala, a mesma mesa. O Centrão se mantém unido no loteamento do governo Bolsonaro, mas a fissura no núcleo aparentemente aumentou e ficou exposta durante a reunião na Câmara.