Em agosto, Lula foi ao Rio e discursou: “O crime organizado está tomando conta do país”.
Figuras de linguagem são recorrentes e úteis para se transmitir ideia ou sentimento de forma impactante. No entanto, há uma realidade que já não cabe na moldura da retórica política.
Lula tem razão sobre o avanço do crime organizado, como se vê no noticiário de cada dia do Oiapoque ao Chuí. O problema é que é ele quem governa, pela terceira vez neste início de século, o país onde o crime organizado está avançando.
O domínio é visível, e crescente, não só em territórios marcados pela ausência do Estado, mas, também, em espaços institucionais do Estado — governo, Legislativo e Judiciário.
O Rio é a melhor tradução da simbiose das máfias de policiais e traficantes com interesses de grupos políticos, numa versão tropicalizada da guerra dos cartéis mexicanos pelo controle de comunidades relevantes nas rotas de drogas, armas e dinheiro.
Quando Lula falou sobre a expansão do crime organizado, em agosto, estava ao lado do governador fluminense Claudio Castro, do Partido Liberal.
Castro é um reconhecido construtor de pontes para o futuro com o clã de Jair Bolsonaro, há três décadas uma frente de defesa das milícias fluminenses.
Nesta segunda-feira (23/10), enquanto milicianos espalhavam pânico na Zona Oeste, incendiando três dezenas de ônibus e interditando o trânsito da cidade, o governador foi às redes sociais com uma mensagem direta aos chefes das máfias cariocas: “O crime organizado que não ouse desafiar o poder do Estado”.
Descontada a tortura do idioma, sobra a redundância dos efeitos especiais: no Rio o crime organizado não desafia o poder do Estado simplesmente porque há tempos é o poder real, ao menos em pedaços do território estadual como a Zona Oeste a Baixada Fluminense.
Castro anunciou o enquadramento de milicianos presos na legislação antiterrorismo e imediato confinamento em presídios federais.
Equiparar mafiosos a terroristas pode ser bom assunto para discurso ou conversa de botequim. O risco é a perda de perspectiva da realidade. Os Estados Unidos souberam distinguir e fizeram lei específica para organizações criminosas (Rico, na sigla em inglês). Ela é usada em investigações sobre crimes de terrorismo, mas ninguém confunde uma coisa com outra. São diferentes.
Castro (PL) e Lula (PT) representam gerações diferentes, com três décadas de diferença na idade. Têm em comum o saldo na reconstrução da democracia e, também, a dívida na reorganização social, que inclui a Segurança Pública. De Lula a Castro, registra-se um fracasso político contra o crime organizado.
Lula atravessou dois governos repassando o “problema” da segurança aos governos estaduais. Agora, fala em “assumir a responsabilidade de ajudar os governadores” — um avanço, por enquanto limitado à retórica.
Castro está no segundo governo. Acaba de abdicar em privilégio da Assembleia Legislativa do poder de escolher e nomear comandos nas polícias civil e militar. Os deputados estaduais assumem, na prática, a execução da política de segurança pública no Rio. É notória a intimidade da Alerj com o assunto das milícias, uma evidência é que há mais policiais que deputados na sua folha de pagamentos.
O Rio é vitrine cosmopolita do avanço do crime organizado no país governado por Lula e no estado liderado por Castro.