O Congresso vai manter o vigor reformista, anunciaram ontem o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira.
Eles mencionaram reformas na Constituição sobre o sistema tributário e a gestão de pessoal na administração pública, entre outros temas.
Ouviram Jair Bolsonaro reivindicar atenção ao seu programa de privatizações, concessões e e parcerias público-privadas — “o maior do mundo com R$ 400 bilhões em investimentos.”
É tarefa difícil em ano eleitoral, indica a tradição parlamentar. Mas não se deve desprezar um fato político tão relevante quanto pouco observado: o Congresso vive uma etapa de fúria reformista.
Legisla-se muito, e em ritmo veloz. Ano passado foram 759 proposições aprovadas, entre projetos de lei, medidas provisórias e emendas constitucionais.
O Senado produziu 401 decisões legislativas, de caráter terminativo, e a Câmara aprovou 358, segundo dados divulgados ontem pelo presidente do Congresso.
Há uma usina de leis operando a plena carga, com produtividade média de quase quatro novos projetos por dia útil de trabalho dos deputados e senadores — considerando-se quatro dias de votações por semana.
Porém, quantidade não significa qualidade.
O reformismo tem moldado a democracia liberal brasileira, mas, paradoxalmente, está fomentando um ambiente de insegurança jurídica crescente e permanente.
Na quarta-feira 16 de dezembro, o Diário Oficial estampou a 114ª emenda constitucional, conhecida no Congresso como PEC do Calote na dívida pública (precatórios).
É evidência de que a Constituição perdeu seu caráter de código permanente. Foi transformada num periódico trimestral. Desde a promulgação, 33 anos atrás, vem sendo alterada a cada ciclo de 90 dias.
Ano passado, o Senado aprovou treze propostas de emendas e a Câmara outras nove – de acordo com os dados do presidente do Congresso.
Há três anos, quando o país celebrava 30 anos da Constituição que enterrou a ditadura, um dos autores da Carta, o então deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) foi pesquisar a natureza das mudanças.
Constatou 714 alterações no texto original. Foram introduzidas por 99 emendas nos 2.070 dispositivos organizados em 245 artigos do corpo permanente e em 70 disposições transitórias.
“Se a cada emenda correspondesse um dispositivo” — escreveu — “noventa e nove dispositivos alterados em trinta anos já poderia ser um número considerado exótico ou herético em face do sagrado significado que tem a Constituição para povos civilizados, como o nosso.”
“No Brasil” —acrescentou- “uma emenda constitucional chega a reformar partes inteiras do texto”.
Governos se acertam com o Congresso, conforme a conveniência conjuntural, para promover “reformas” constitucionais amplas, gerais e irrestritas.
Jair Bolsonaro foi ao extremo: “Eu sou a Constituição”, proclamou na segunda-feira 20 de abril de 2020. Entrou para a antologia do humor político.
O Judiciário também se move em fúria reformista, sempre na defesa de interesses corporativos: os 226 dispositivos originários que tratam da organização e do funcionamento desse Poder já foram modificados mais de 130 vezes.
Existem cerca de 1,5 mil projetos de emendas constitucionais em tramitação no Senado e na Câmara. Há, também, discussões mais ambiciosa em andamento em grupos partidários, de difícil viabilidade, como a convocação de uma nova Constituinte.
O Partido dos Trabalhadores abriga os mais entusiasmados. Em 1988, o PT foi o único a votar contra a redação final da Constituição, mas aceitou que seus 16 parlamentares assinassem a Carta. Agora, embalada pelo favoritismo de Lula nas pesquisas eleitorais, frações da esquerda petista resgatam a ideia de nova Constituinte.
Semana que vem o grupo Diálogo e Ação Petista promove o primeiro debate. “É necessário ter claro”— diz a convocação — , “com este Congresso, eleito com as atuais regras herdadas da ditadura militar, e com este Judiciário, fiador do golpe de 2016, será impossível apro var as reformas de interesse do povo trabalhador.”
Acrescenta: “O PT, de volta ao governo, só poderá realizar as tarefas que dele se espera devolvendo a palavra ao povo para que este, soberanamente, decida sobre os rumos do país.”
O Brasil conta quatro décadas de relativa estagnação econômica e social. Da direita à esquerda, ninguém se diz responsável — mas todos culpam a Constituição.