Jair Bolsonaro acenou ontem com uma carta até agora imprevista no jogo da eleição de 2022, a possibilidade de não participar da disputa presidencial.
Diante da habitual plateia de seguidores na portaria do Palácio da Alvorada, ele fez um jogo de palavras, culpando o sistema eletrônico de votação, pelo qual se elegeu nos últimos 25 anos, sucessivamente, e sem nenhuma contestação — dele ou dos adversários. “Entrego a faixa para qualquer um, se eu disputar a eleição, né?” — disse. “Se eu disputar, eu entrego a faixa para qualquer um. Agora, participar de uma eleição com essa urna eletrônica…”
O “se” indica indeterminação. É novidade na retórica do presidente-candidato. Até ontem, nem os mais fervorosos adversários contavam com tal possibilidade nas suas planilhas de cálculos eleitorais. Já têm autorização do candidato para incluí-la, embora ele seja um político cuja característica é desfazer à tarde as promessas que fez pela manhã.
Na campanha de 2018, por exemplo, anunciou que, se eleito, não haveria reeleição. Foi num sábado no Rio, uma semana antes do segundo turno eleitoral. O candidato Bolsonaro reafirmou uma de suas “primeiras medidas”, que repetia desde o início da campanha: “O que eu pretendo, e tenho conversado com o parlamento também, é fazer uma excelente reforma política para acabar com o instituto da reeleição, que no caso começa comigo, se eu for eleito.”
Oito dias depois, estava eleito. Perguntaram-lhe sobre o fim da reeleição, e ele apresentou a primeira ressalva: “A possibilidade de não concorrer à reeleição é se conseguir fazer um acordo para aprovar a reforma política. Não é apenas ‘eu não vou concorrer à reeleição.”
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Se passaram 30 meses do mandato. Não houve— e nem há perspectiva — de Bolsonaro liderar negociações com o Legislativo para “uma excelente reforma política”.
Até hoje, também, não se tem notícia de qualquer projeto com a sua assinatura “para acabar com o instituto da reeleição”.
Ao contrário, há dois anos e meio ele se dedica em tempo integral à campanha por um novo mandato — um dos resultados visíveis, como tem demonstrado a CPI do Senado, foi o descontrole governamental na pandemia, em cujo rastro contavam-se 539 mil mortes até a noite de ontem.
A expressão “se eu disputar” vai ser lida e interpretada de diferentes formas. Pode ser entendida, até mesmo, como mero desabafo de um presidente preocupado com o nível recorde de rejeição à sua (eventual) candidatura à reeleição: 61,8% na sondagem CNT/MDA, e 59% no Datafolha, pesquisas realizadas há menos de duas semanas, entre os dias 1º e 8 de julho, antes de sua internação hospitalar por “obstrução intestinal”.