Bolsonaro dilui o governo, Lula age como presidente
Em negação das urnas, Bolsonaro induz governo a processo autodestrutivo. Convite a reunião da ONU dá a Lula chance de atuar como presidente, antes da posse
Deveria ser uma transição, mas Jair Bolsonaro optou pela diluição do seu governo oito semanas antes do retorno de Lula ao Palácio do Planalto.
Depois de 45 horas em silêncio sobre a derrota nas urnas, tentou se equilibrar num discurso escrito para disfarçar o abalo com a vitória de Lula, enquanto permitia que aliados sustentassem bloqueios em estradas e avenidas, prejudicando a vida de milhões de pessoas em todo o país.
É impossível prever se resistirá por mais oito semanas, até o último dia do mandato, a esse processo autodestrutivo em que, aparentemente, decidiu conduzir o próprio governo.
Ontem à noite, em Brasília, bolsonaristas divulgavam o que seria sua última cena na presidência: viagem ao exterior para fugir ao ritual de passagem da faixa presidencial ao sucessor. Seria representado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, senador eleito pelo Rio Grande do Sul.
Sem novidade. Um antecessor, João Figueiredo, o último dos generais na galeria presidencial da ditadura, preferiu sair pelos fundos do Palácio do Planalto a receber José Sarney, que conquistou um lugar na História pela habilidade demonstrada na transição para o regime democrático no trauma de um processo de hiperinflação legado pelos militares.
Bolsonaro se nega a aceitar em público a realidade eleitoral – “injustiça”, se queixa e, ao mesmo tempo, tenta justificar a desordem nas ruas e os prejuízos a pessoas e empresas com a leniência de seu governo.
Cercado nas urnas pela maioria de 60 milhões, obrigou-se a reconhecer a vitória da oposição em reunião fechada no Supremo Tribunal Federal. Ali, seus aliados fazem sondagens sobre meios para garantir-lhe um salvo-conduto na vida na planície a partir de janeiro. Sem a blindagem do mandato presidencial, em mais oito semanas ele estará sujeito a decisões de juízes de primeira instância em vários processos criminais.
Nessa crise pessoal, com o governo exibindo descontrole, assiste ao avanço pós-eleitoral do adversário. A viagem ao Egito como convidado à Conferência do Clima da ONU proporciona a Lula a chance de atuar como presidente, dois meses antes da posse.