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Bolsonaro conseguiu semear o descrédito no processo eleitoral

Pesquisa mostra que um de cada três eleitores assimilou a desconfiança disseminada pelo candidato à reeleição, alvo de advertências dos EUA

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 Maio 2022, 21h00 - Publicado em 6 Maio 2022, 08h00

Quando William Burns, diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), se encontrou com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, em julho do ano passado, completavam-se seis meses da invasão da sede do Congresso, em Washington, estimulada por Donald Trump, que se recusava a aceitar a derrota nas urnas para Joe Biden.

Bolsonaro apoiou Trump, hostilizou Biden durante a campanha eleitoral americana e demorou um mês para autorizar o ritual diplomático de saudar o presidente eleito dos Estados Unidos. Biden deixou Bolsonaro na geladeira diplomática e demorou 15 meses para receber o embaixador brasileiro.

Burns é um diplomata experiente com governos autoritários, reconhecido em Washington como o integrante da equipe de Biden que mais frequentemente se relacionou com presidente russo Vladimir Putin, desde a época em que saiu da diretoria da FSB (substituta da KGB soviética) para o gabinete de Boris Ieltsin.

Ele esteve em Brasília com duas prioridades na agenda. Numa estava a cooperação americana na construção de uma rede 5G exclusiva do governo brasileiro, à margem da rede nacional onde predomina a tecnologia de empresas da China.

Outra era uma mensagem de “preocupação” da Casa Branca com a disseminação da desconfiança no processo eleitoral brasileiro promovida por Bolsonaro — como revelaram ontem os repórteres Gabriel Stargardter, Matt Spetalnick e Jonathan Landay, da agência Reuters.

Na sequência, estiveram com Bolsonaro os assessores de Segurança Nacional Jacob Jeremiah (“Jake”) Sullivan e Juan González, com mensagens similares. A conversa desandou a partir do momento em que Bolsonaro começou a questionar a legitimidade da eleição de Joe Biden e a repisar acusações, sem provas, de fraudes no sistema de votação brasileiro.

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Três assessores de Bolsonaro conversaram com Burns, em julho. Luiz Eduardo Ramos, que perdera o comando da Casa Civil para Ciro Nogueira, líder do Centrão; Alexandre Ramagem, na época diretor da agência de espionagem Abin; e, Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, que participou de todas as reuniões.

Ontem, Heleno acompanhou Bolsonaro num desmentido oficial sobre os comentários de Burns a respeito das iniciativas públicas de Bolsonaro para degradar o processo eleitoral — emulando Trump na campanha vencida por Biden. Na época, Lula começava a aparecer na liderança das pesquisas eleitorais.

“Seria extremamente deselegante um chefe de agência como a CIA ir a outro país, vir ao Brasil, para dar recado”, disse Bolsonaro em João Pessoa, ao lado de Heleno e com uma bandeira do Brasil servindo de pano de fundo no cenário improvisado para a transmissão por redes sociais. “A gente vê que é uma mentira, uma fake news”, completou.

Não se conhece a versão de Heleno para Bolsonaro sobre a conversa dele e do ministro Ramos com Burns na residência do embaixador dos EUA. Também não se sabe a partir quando o governo americano concluiu que estava em operação no Brasil uma engrenagem subterrânea, cara e operada pelo núcleo bolsonarista a partir do Palácio do Planalto e do Congresso, para desacreditar o processo eleitoral. É certa, porém, a existência da fábrica de fake news, cujo objetivo foi mencionado como motivo de inquietude pelo emissário da Casa Branca.

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Em dúvida, basta a leitura da investigação que está no Supremo Tribunal Federal conhecida como “Inquérito das Fake News. Os documentos, em parte originários do Tribunal Superior Eleitoral, são públicos e descrevem uma conspiração, organizada e financiada com recursos públicos e privados para minar o regime democrático e semear desconfiança no processo eleitoral. Expõem o envolvimento de três filhos parlamentares de Bolsonaro e uma dezena de deputados federais.

Fora dos autos, e dos relatórios do governo americano — ainda não conhecidos — sobram evidências na paisagem política, mensuráveis em pesquisas desde o segundo semestre de 2018, quando Bolsonaro começou a disseminar a ideia de fraudes nas urnas, que nunca provou.

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(./VEJA)

O estrago está feito, mostram as sondagens realizadas desde a campanha 2018 pelo sociólogo Mauricio Moura, do instituo Idea. Dias atrás, num debate, ele apresentou alguns resultados apurados em 1.200 entrevistas sobre a confiança dos brasileiros nas eleições.

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Em outubro de 2018, quando Bolsonaro vencia Fernando Haddad, do PT, 49% dos eleitores julgavam muito confiável o processo eleitoral baseado nas urnas eletrônicas — uma tecnologia desenvolvida nos anos 80 em laboratórios civis e militares, com a cooperação de técnicos da Abin. No mês passado, eram somente 29%.

Em contrapartida, a desconfiança avançou de 22% para 34% nesse período. Significa que um de cada três eleitores assimilou o descrédito disseminado por Bolsonaro, quase diariamente, no processo eleitoral. E pelo menos um quarto do eleitorado supõe que o voto impresso é menos suscetível às fraudes, embora a História demonstre o inverso.

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(./VEJA)

Notável, também, é a quantidade de gente disposta a contestar o resultado das eleições, caso o seu candidato preferido seja derrotado nas urnas. No conjunto, é minoria (15%), mas representa grande contigente se considerado o eleitorado de 143 milhões. E mais: com significativa participação de jovens (19%), entre 18 a 24 anos.

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Ontem, Bolsonaro anunciou uma “apuração paralela”, por empresa privada. Isso existe há tempos, faz parte da rotina da vida partidária. Há meses insiste numa espécie de intervenção das Forças Armadas, para tutelar a Justiça Eleitoral.

Sua insistência na disposição para contestar o resultado eleitoral, indica o óbvio: Bolsonaro quer se reeleger no grito.

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