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Anarquia

A alegria é grátis nos partidos, o público paga e o Congresso anistia

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 Maio 2024, 21h17 - Publicado em 8 set 2023, 06h00

A alegria é de graça: salários acima de 80 000 por mês, com direito a avião, helicóptero, carros e serviços de livre escolha. O dinheiro é público, o controle é rarefeito e a transparência nas contas simplesmente não existe — as regras flexíveis e minimalistas são decididas pelos próprios parlamentares interessados.

Essa engrenagem de anarquia partidária possui até uma peculiar salvaguarda: o Congresso sempre perdoa. Aconteceu várias vezes nas últimas três décadas. Agora prepara-­se nova anistia ampla, geral e irrestrita ao fuzuê entre o público e o privado, reafirmando-se a percepção legislativa de que a autonomia financeira dos partidos políticos seria absoluta e intocável.

A autoindulgência já produziu um prodígio político, a aliança do PT de Lula ao PL de Valdemar Costa Neto e Jair Bolsonaro à frente de uma dúzia de partidos. Planejam aprová-la na Câmara e no Senado ainda neste mês. “Não serão aplicáveis sanções de qualquer natureza”, repete-se no texto de 500 palavras da emenda constitucional que absolve partidos e seus dirigentes na folia com dinheiro público antes, durante e depois das eleições realizadas nos últimos 34 anos. Prejudica a metade da constelação partidária que respeitou a lei e pagou multas impostas pelos tribunais eleitorais nesse período.

Quem aparece como autor do projeto é o deputado federal Antonio Carlos Rodrigues, do PL de São Paulo, ex-ministro dos Transportes no governo Dilma Rousseff. Meia dúzia de anos atrás ele foi preso sob acusação de crimes na prestação de contas eleitorais.

Não se conhece o custo final das delinquências, mas o dinheiro público em jogo não é pouco. Nos últimos cinco anos, o Congresso aumentou em quase 200% o fundo eleitoral e em 30% o fundo partidário. Nos próximos dezesseis meses serão distribuídos 5,2 bilhões de reais a catorze partidos. Equivale a 81 milhões por semana, valor compatível com a receita média de grandes empresas. É um volume de dinheiro público cinco vezes maior do que o governo prevê gastar em 347 municípios para terminar a construção de 600 unidades básicas de saúde, cujas obras estão paradas desde a década passada, no segundo mandato de Lula.

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“A alegria é grátis nos partidos, o público paga e o Congresso anistia”

Sobram casos de “desnaturação” no emprego desses recursos pelos partidos — o eufemismo é recorrente em decisões do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, para suavizar o sentido negativo de palavras semelhantes, talvez mais adequadas, como corrupção.

Exemplo: em 2015 o Partido Republicano da Ordem Social (PROS) informou à Justiça Eleitoral ter comprado um avião bimotor por 680 000 reais, em valores atualizados; dois anos depois registrou pagamento do mesmo valor na “recompra” dessa mesma aeronave (prefixo PT-VQW), que já era de sua propriedade.

O caso do PROS é simbólico dessa desordem partidária organizada. Há tempos a lei obriga investimento (mínimo de 5% do fundo público) no estímulo à participação de mulheres na política. O partido ficou muito abaixo (0,5%). Gastou o triplo na construção de piscina, reforma e equipamento das cozinhas nas residências da diretoria, incluídos a compra de 3,7 toneladas de carne para churrasco num único mês e maquinário para a produção de 50 quilos de gelo por dia. Foi além: numa das prestações de contas de despesas com candidaturas femininas em eleições municipais registrou a aquisição de três aparelhos de jantar.

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Até o ano passado, o PROS era comandado por Eurípedes Gomes de Macedo Júnior, ex-vereador em Planaltina, no entorno de Brasília. Usuário de três identidades e CPFs diferentes, emitidos no Distrito Federal, Goiás e Mato Grosso do Sul, teve prisão decretada em 2018 por envolvimento em fraudes na venda de insumos médicos à rede pública de saúde do Distrito Federal e do Pará. Manejou mais de 70 milhões de reais nos últimos seis anos, aplicando-os em aquisições de avião, helicóptero, imóveis, carros e na contratação de parentes. Em fevereiro incorporou o PROS ao Solidariedade e tornou-se presidente de um partido com quatro deputados federais, com receita garantida de 28 milhões de reais em dinheiro público neste ano.

Eurípedes Júnior se destaca na lista dos dirigentes beneficiários da anistia ampla, geral e irrestrita aos crimes financeiros dos partidos apoiada pelo governo Lula e pela oposição. Como dizia Stanislaw Ponte Preta, personagem do escritor Sérgio Porto, a prosperidade de alguns homens públicos é prova evidente da sua luta pelo desenvolvimento nacional.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2023, edição nº 2858

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