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A mão pesada

Lulabrás pretende a renovação política do velho nacional-desenvolvimentismo

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 17h17 - Publicado em 15 mar 2024, 06h00

Lula inaugurou a Lulabrás. No imaginário dos áulicos do Palácio do Planalto é uma espécie de coordenadoria para alinhamento de empresas públicas, privatizadas ou apoiadas por fundos de pensão estatais, com aquilo que a Presidência diz ser o “pensamento de desenvolvimento do governo”.

Cultivada nos jardins do lulismo palaciano, Lulabrás é uma ideia vaga com a pretensão de renovação política do nacional-desenvolvimentismo. Acumulam-se as demonstrações da sua capacidade de produzir confusão entre o público e o privado. Semana passada, provocou crises simultâneas na Petrobras e na Vale e ampliou o conflito do governo com a Eletrobras.

O Estado tem participação diluída no capital dessas empresas. Nos três casos, a razão do tumulto nas relações com sócios privados e administradores está no fato de que, além de Lula, ninguém na Esplanada dos Ministérios sabe explicar, descrever ou definir qual é o “pensamento de desenvolvimento do governo”.

Como não foi apresentado na campanha eleitoral de 2022 e permanece oculto no gabinete presidencial há mais de um ano, há otimistas supondo que, talvez, venha à luz antes da quinta-feira 31 de dezembro de 2026, último dia do mandato. Por enquanto, da Lulabrás só se conhece a diretriz desbotada: se não é estatal, não presta.

A ideia de capitalismo politicamente orientado ecoa a modernização no Estado Novo (1937-1945). Getúlio Vargas assentou-a numa estrutura de relações do trabalho contra a qual Lula comandou uma insurgência no ABC paulista no século passado e, no governo, escolheu preservá-­la até no simbólico imposto sindical. Na versão lulista de modernidade no século XXI, traduz-se em intervencionismo estatal com o objetivo de harmonizar administração, negócios e projetos de empresas públicas, como a Petrobras, ou privatizadas, como Vale e Eletrobras, com o cardápio de prioridades governamentais.

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“Lulabrás pretende a renovação política do velho nacional-desenvolvimentismo”

Caso exemplar é o da criação de um orçamento paralelo em Itaipu, responsável pelo abastecimento energético do Sul e do Sudeste. Meio século depois de construída, a usina liquidou suas dívidas e, agora, opera com uma sobra de caixa estimada em 2,5 bilhões de reais por ano. Por decisão do governo, passou a usar o dinheiro na construção de pontes, rodovias, aeroportos e projetos sociais em 430 municípios do Paraná e do Mato Grosso. Nessas cidades vivem 11 milhões de eleitores e, por coincidência, o calendário da iniciativa coincide com as temporadas de eleições de prefeitos neste ano e em 2026, quando serão eleitos deputados, senadores, governadores e presidente da República.

As doações de Itaipu são tipificadas como despesa nova na “geração de energia”. Ficam escondidas na conta de luz paga pelos brasileiros, que já é uma das mais caras do planeta: 4 em cada 10 reais na fatura de energia não têm ligação direta com geração, transmissão e distribuição de eletricidade, estimam entidades dos consumidores. Acender uma lâmpada no Brasil ficou caríssimo. Em dólares, sai por quase o dobro do preço cobrado nos Estados Unidos, Reino Unido e Japão, embora a renda dos brasileiros seja até dez vezes mais baixa.

Na Petrobras, o governo cobiça o caixa de 20 bilhões de dólares, equivalentes a 100 bilhões de reais, restaurado depois do ciclo de perdas com má gerência e corrupção desveladas na Lava-Jato. A intervenção já deixou sequelas. Dividiu o governo, abriu espaço para eventuais pedidos de indenização no exterior e levantou suspeitas de fraude no mercado acionário nacional por supostos lucros com informações privilegiadas: a Comissão de Valores Mobiliários foi notificada dias atrás sobre operações “atípicas” com 12 milhões de contratos de derivativos da Petrobras realizados em apenas um segundo, às 10h41 da terça-feira 27 de fevereiro.

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Na Vale, Lula foi além. Atuou para derrubar administradores e lançou acusações genéricas, sem provas, sobre “diretor da Vale envolvido na corrupção”. O governo passou a pressionar pela cobrança extra de 20 bilhões de reais sobre o acordo de concessão da linha de trem de exportação de minério de Carajás. No tumulto, um representante de investidores privados escolheu sair, deixando carta pública com denúncia sobre interferência política indevida e a conivência de responsáveis pela governança da empresa.

Forçar a mão pesada e invisível do Estado na economia é objetivo político legítimo. No caso brasileiro, os resultados são questionáveis, como mostra o histórico dos governos de Lula e Dilma Rousseff. Como o Planalto não consegue explicar o que quer e onde pretende chegar, prevalece o risco conhecido da estridência de escândalos.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 15 de março de 2024, edição nº 2884

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