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Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal e é formado pela FBI National Academy. Foi membro eleito do Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França, e é co-autor do livro Crime.Gov - Quando Corrupção e Governo se Misturam.
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Bolsonarismo é a raiz da tragédia ianomâmi

Teóricos do bolsonarismo ainda professam doutrinas e objetivos absurdamente anacrônicos e equivocados - do período do governo militar

Por Jorge Pontes
Atualizado em 26 jan 2023, 15h53 - Publicado em 26 jan 2023, 15h31

A tragédia humanitária que atingiu comunidades indígenas que fazem parte da Reserva Yanomami não foi um desastre, mas um projeto – e um projeto com as digitais de Jair Bolsonaro e de seus generais palacianos.

Para entendermos como o ex-presidente está imbricado nesta crise, temos de considerar que os teóricos do bolsonarismo ainda professam doutrinas e objetivos absurdamente anacrônicos e equivocados – do período do governo militar – quando o general Golbery do Couto e Silva, segundo suas próprias palavras, preconizava “inundar de civilização a hileia amazônica, a coberto dos nódulos fronteiriços, partindo de uma base avançada constituída no Centro-Oeste, em ação coordenada com a progressão Leste-Oeste segundo o eixo do grande rio”.

Ora, simplesmente “inundar de civilização” a Amazônia não nos parece medida que harmonize com os modernos ideais de equilíbrio, conservação e sustentabilidade, e tampouco respeita a necessidade de preservação da biodiversidade da região.

A complacência e, até certo ponto, a permissividade com que esse pensamento, nos dias atuais, não apenas aceita como incentiva algumas atividades econômicas extremamente destrutivas para a Amazônia, como garimpos, lavra de arrozeiros e madeireiros, talvez seja um resquício dessa visão de Golbery, na qual “inundar a região de gente” era o que mais importava, sem se levar em conta o grande número de pessoas que explorariam atividades não sustentáveis e extremamente danosas ao meio ambiente.

E, coincidentemente, há uma outra obsessão, também presente na “doutrina” bolsonarista: a defasada ideia fixa da cobiça internacional sobre a Amazônia. É aí que entra exatamente a questão da Reserva Indígena Yanomami, onde o ideário do ex-capitão a enxerga, em delírio, por conta de suas dimensões e da contiguidade com o território venezuelano, como um grande perigo para a nossa soberania.

A par da expressiva quantidade de militares – da reserva e da ativa – que apoiaram (e ainda apoiam) Jair Bolsonaro, nos parece que tais ideias e premissas defasadas ainda seriam compartilhadas nas fileiras, e até nas escolas de formação e aperfeiçoamento, do nosso Exército.

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De volta aos dias atuais, lembramos que os ianomâmis enfrentam essa crise sanitária e humanitária sem precedentes, exatamente devido ao avanço do garimpo ilegal na região. Só na última semana quase mil indígenas foram socorridos em estado de saúde gravíssimo.

E essa percepção em relação à tolerância do pensamento militar com algumas atividades que degradam o meio ambiente infelizmente vem se sedimentando aos olhos da sociedade. Exemplos não faltaram ao longo do tempo: da crise dos arrozeiros em Roraima nos idos de 2008, até a tragédia do meio ambiente do governo de Bolsonaro, cuja administração ambiental foi inundada de policiais militares e oficiais do Exército, sem qualquer ligação direta com temas ambientais.

Um exemplo – recente – dessa situação foram as sete autorizações concedidas, em dezembro de 2021, pelo general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para projetos de mineração de ouro em uma das regiões mais preservadas do país, em São Gabriel da Cachoeira, na Cabeça do Cachorro, extremo noroeste do Amazonas, fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela.

Nessa área encontram-se o Parque Nacional do Pico da Neblina e algumas terras indígenas. Segundo matéria da Folha de S.Paulo, em 5 de dezembro de 2021, a região onde as permissões de pesquisas foram concedidas abrigam 23 etnias indígenas. Esses projetos na região de São Gabriel da Cachoeira representam uma área de 12.700 hectares, e seis desses empreendimentos ocorrem em “terras da União”.

O general Heleno, que claramente extrapolou ao expedir essas concessões de pesquisa, foi um dos principais conselheiros de Bolsonaro, e foi também secretário-executivo do Conselho de Defesa, órgão consultivo do presidente da República em temas de soberania e defesa.

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Infelizmente, podemos estar testemunhando o início do processo de degradação de uma das áreas mais protegidas e intocadas da nossa floresta, e, por consequência, a ocorrência de outras crises humanitárias, tendo como vítimas as respectivas populações indígenas que habitam aquela região.

Com esse derrame de autorizações, Augusto Heleno provavelmente tenha atuado conforme a velha e retrógrada cartilha de Golbery.

Por oportuno, é chegada finalmente a hora do atual governo promover uma revisão nos currículos, doutrinas e conceitos ministrados nas escolas de formação das nossas forças terrestres, visando atualizá-los. Nada mais importante para o nosso Exército do que se descolar do trágico ideário bolsonarista.

E, finalmente, o ex-presidente Jair Bolsonaro e, principalmente, o seu vice-presidente, Hamilton Mourão, que era coordenador do Conselho Nacional da Amazônia Legal, deverão ser formalmente questionados sobre as medidas que tomaram – e deixaram de tomar – para evitar a tragédia que atingiu o povo ianomâmi.

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