O time de verão faz festa de despedida, sobe nos helicópteros e vai embora: é 29 de abril, e até 29 de outubro só uma pequena equipe vai enfrentar o inverno antártico na estação Polaris VI: vários escandinavos, britânicos, uma americana, um japonês e um espanhol (Álvaro Morte, o Professor de Casa de Papel) têm adiante meses de escuridão e convívio forçado – o qual já não começa muito bem, dado que logo de cara um integrante da equipe é encontrado no gelo com a cabeça seriamente separada do corpo. É a primeira vítima, mas não será a última: quando a equipe de verão retorna, encontra apenas uma pessoa viva. Duas outras estão desaparecidas e, portanto, seu destino é incerto. Todas as outras estão mortas. O que aconteceu, quem fez acontecer, por quê? Johan (o muito bom Alexandre Willaume), chefe da equipe de verão, está desesperado para tirar a pessoa sobrevivente de seu aparente estado de choque e obrigá-la a se lembrar dos eventos, já que sua mulher, Annika (Laura Bach), ainda não foi encontrada, nem viva nem morta. Quando o outro desaparecido reaparece, porém, o caldo engrossa, já que os dois sobreviventes têm relatos opostos e repletos de acusações um ao outro.
The Head é criada pelos irmãos espanhóis Álex e David Pastor, que têm no currículo bons roteiros B nessa mesma linha: Vírus, sobre quatro amigos que, à procura de um lugar que esteja a salvo de uma pandemia mortal, voltam-se uns contra os outros; Os Últimos Dias, em que as cidades afundam no caos por causa de uma pandemia – de novo! – que não deixa ninguém sair de casa (soa familiar?); e A Casa, que está na Netflix e, assim como Vírus, explora bem os elementos de antagonismo, inveja e maquinação que começam a vir à tona à medida que Johan reconstitui os eventos da temporada de inverno. Atenção, então, para não esperar uma coisa e se decepcionar ao encontrar outra: apesar da premissa (um grupo de pessoas confinadas numa estação na Antártida enquanto coisas horríveis acontecem) e da ceninha em que todos assistem a O Enigma de Outro Mundo, a trama nada tem a ver com o clássico do diretor John Carpenter. É um whodunit nos moldes de Agatha Christie, apenas com uma maquiagem de terror e uma montagem mais modernosa, em que os flashbacks vão se alternando com os desdobramentos da história no presente.
The Head inclui no tempero, também, uma boa dose de disparates à moda das séries de outro espanhol, o Álex Pina de La Casa de Papel e Vis à Vis. Os irmãos Pastor não têm nenhuma vergonha de apelar para a mirabolância: se é para movimentar as coisas, vale tudo. A razão pela qual alguns dos personagens resolveram voltar à equipe de inverno oito anos depois de terem vivido um acidente em outra estação, agora abandonada, é perfeitamente absurda. Quanto à autoria dos crimes – bom, nada de spoiler. Mas jura? É completamente implausível e, ao mesmo tempo, uma barbada. E, ainda assim, The Head intriga e, uma vez começada, exige ser vista até o final, porque o ritmo é bom e porque cria aquela comichão de chegar até a hora da grande revelação. A locação é um bônus, também, com belíssimas paisagens geladas rodadas na Islândia. E, no geral, o elenco dá conta do recado – a começar pelo irlandês John Lynch, que provavelmente é um amor de pessoa ou não trabalharia tanto, mas é um craque nos papéis de sujeito desagradável.