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Por Coluna
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Perdido em Marte

Por Isabela Boscov Atualizado em 11 jan 2017, 16h02 - Publicado em 1 out 2015, 17h30

Matt Damon, Ridley Scott, espaço: que delícia.

Todas as vezes que entrevistei Ridley Scott saí da sala me perguntando por que ele quase nunca deixa que o senso de humor dele transpareça nos filmes que faz – porque ele é, sim, capaz de ter um ótimo senso de humor. Às vezes, pelo menos.

Lembro de uma mesa-redonda de Robin Hood, particularmente, que avançou quase o dobro do tempo previsto porque niguém conseguia parar de rir (Scott tinha acabado de operar o joelho, e é possível que toda aquela medicação tarja preta para a dor tenha deixado ele especialmente borbulhante, mas ainda assim). Pois é isso que faz toda a diferença em Perdido em Marte: ver quão à vontade ele está com o humor brincalhão do livro homônimo de Andy Weir, e como tira partido do material original para explorar outras possibilidades de se divertir com o filme – por exemplo, fazendo miséria com a trilha sonora de sucessos disco dos anos 70. Até o tradutor brasileiro entra na dança, e aproveita o clima geral para fazer o melhor trocadilho da última década em uma legenda nacional. A competência visual de Scott é comprovada, e nunca esse aspecto de Perdido em Marte esteve em dúvida. Já esse jeito airoso dele é, sim, uma surpresa. E, depois daquelas explicações sem pé nem cabeça de Prometheus, é uma ótima surpresa também a habilidade com que Perdido em Marte dosa as bordoadas de ciência do livro (que eu adoro), sem tirar em excesso nem se alongar demais.

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Conta muito a favor de Perdido em Marte, lógico, que seja Matt Damon a fazer o papel do astronauta Mark Watney, dado como morto (equivocadamente, óbvio) e deixado em Marte pelos colegas de tripulação quando uma tempestade os obriga a abortar a missão antes de completá-la: Mark é um excelente cientista, é de uma engenhosidade e criatividade inesgotáveis (vai precisar delas para esticar um mês de alimentos, oxigênio e água por possíveis quatro anos, prazo previsto para a chegada da missão seguinte a Marte) e é de um equilíbrio de dar inveja. Mas é, acima de tudo, um sujeito encantador, que, apesar de estar num azar danado, não perde uma piada à própria custa, e até quando está sendo exibido é uma simpatia (“Sou o melhor botânico deste planeta”, graceja ele, o único botânico a jamais pôr os pés em Marte, quando despontam as primeiras folhas das batatas que ele plantou usando como adubo as fezes da tripulação – empacotadas e etiquetadas, mas fedidas do mesmo jeito).

Andy Weir, um ex-programador que, esse sim, tirou a sorte grande (foi do self-publishing para a lista de best-sellers e dela para o blockbuster quase sem escalas) é ele próprio tão nerd (digo isso com o maior respeito) e tão simpático quanto seu protagonista: imaginou Perdido em Marte porque era tão apaixonado pela sequência de Apollo 13 em que os cientistas, em Terra, bolam soluções para Tom Hanks, Kevin Bacon e Gary Sinise usarem na sua missão condenada que decidiu se propor um exercício – escrever um livro que fosse todo ele isso, uma resolução encadeada de problemas. É claro que a dívida de Weir para com Robinson Crusoé, Náufrago e outros clássicos da sobrevivência solitária é imensa, mas essa sacada dele, de que a ciência é que deveria ditar os desdobramentos da trama, é que é a espinha dorsal do livro e o que dá a ele tanta originalidade.

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E aí está o único reparo que eu faria ao filme – isso se ele não tivesse me deixado tão bem-humorada que nem tenho vontade de fazer reparos. Ao contrário de Robert Zemeckis, que não hesitou em colocar o destino de Náufrago sob responsabilidade quase absoluta de Tom Hanks, Ridley Scott não teve a mesma confiança em Matt Damon (ou, o mais provável, duvidou da capacidade de concentração da plateia para acompanhar um só personagem durante a maior parte do filme), e aumentou consideravelmente o peso do pessoal de Terra no roteiro. Jeff Daniels, Chiwetel Ejiofor, Michael Peña, Jessica Chastain, Benedict Wong etc. são ótimos atores (o mesmo vale para Kristen Wiig, embora a personagem dela, coitada, não tenha nada para fazer), mas muito da graça de Perdido em Marte, o livro, está em ser aquilo que seu título original – The Martian, ou O Marciano – indica: por acaso, Mark Watney foi vida em Marte durante alguns meses, e durante esse tempo colonizou um planeta estéril com ciência, criatividade, paciência, humor e fortitude. Levou para 225 milhões de quilômetros da Terra, enfim, o que de melhor pode haver na humanidade. O que poderia ser mais lindo do que isso?

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P.S.: Está assim de gente enxergando teorias conspiratórias no fato de a Nasa ter divulgado evidências de água salgada correndo em Marte na mesma semana em que estreia o filme de Ridley Scott. O teor geral dessas teses: Perdido em Marte é um filme feito com endosso da Nasa (“uma propaganda da agência espacial americana”, dizem alguns), e a Nasa teria aproveitado o embalo do lançamento para divulgar sua notícia e reforçar o golpe positivo de relações-públicas. Não é impossível. Mas: 1) a pesquisa sobre Marte é intensa e continuamente gera novidades de grande impacto; 2) a Nasa colabora regularmente com produções cinematográficas, da mesma forma que várias outras agências americanas. É melhor para ela, para o programa espacial e para a ciência que utilize-se sua consultoria em vez do “chute” mais ou menos informado; 3) a Nasa é uma agência não-militar cujo orçamento é votado todos os anos pelo Congresso, e ela realisticamente depende de uma imagem positiva para alcançar a dotação necessária para a continuidade de seus projetos; 4) há sempre um contingente que vai questionar a necessidade de um programa espacial, mas é assombrosa a quantidade (e a qualidade) de ciência básica e aplicada produzida por ele nas últimas seis décadas; 5) quem foi criança nos anos 60 e 70 pode dizer quanto a Nasa encheu sua infância de imaginação e aventura. Valeu, Apollo 11!

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 Leia aqui a minha resenha para o livro “Perdido em Marte” de Andy Weir


 Trailer


PERDIDO EM MARTE
(The Martian)
Estados Unidos, 2015
Direção: Ridley Scott
Com Matt Damon, Jeff Daniels, Chiwetel Ejiofor, Michael Peña, Jessica Chastain, Sean Bean, Benedict Wong, Mackenzie Davies, Kristen Wiig, Kate Mara, Aksel Hennie, Sebastian Stan, Donald Glover
Distribuição: Fox

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