Como eu sabia que era inevitável, decidi cronometrar as minhas reações. Aos 39 minutos, registrei uma hidratação um pouco superior à normal nos olhos: Sam Claflin baixou um pouco a guarda para Emilia Clarke, e eu anotei fisiologicamente esse progresso na relação dos dois. Aos 56 minutos, Sam deu uma olhadinha de lado para Emilia, discretamente feliz por vê-la tão enlevada com o primeiro concerto da vida dela, e tive um sinal de precipitação – uma lágrima solitária. O terceiro ato do filme começou pontualmente aos 90 minutos: Emilia está arrebatada, certa de que demoveu Sam do suicídio. Mas ele acaba com as ilusões dela; a vida dele nunca será como antes, e era da vida de antes que ele gostava. Esta nova vida na cadeira de rodas, ainda que contenha Emilia, não vai ser suficiente. Ao compreender que falhou e vai perder Sam, Emilia abre o berreiro – e eu não berrei nem solucei, mas comecei a chorar bem, com um fluxo que se manteve constante atá o desfecho, vinte minutos depois.
Agora, a pergunta: isso me trouxe alguma satisfação?
Claro que sim. Não muito grande nem muito profunda, porque Como Eu Era Antes de Você é tão adoravelmente arquitetado com esse propósito – pôr a plateia para chorar – que, em vez de vencer a minha resistência, ele a incitou. Tanto que demorei um bocado a assistir ao filme baseado no best-seller da inglesa JoJo Moyes. Mas tive que me render, é óbvio: ele está há quase um mês em cartaz e ainda pode ser visto em quase 100 salas no país. No fim de semana passado, ficou em segundo lugar na bilheteria, finalmente vencido por Procurando Dory. Até o desenho da Pixar estrear, ele vinha liderando. Ou seja, a maioria de nós adora chorar no cinema. Mas se sente mais no controle dos sentimentos quando o choro vem assim, bem ordenado e organizado, e seguido de algum consolo (Sam se foi, mas deu a Emilia uma nova vida, muito mais gratificante e cheia de horizontes do que a que ela tinha). Chora-se em Como Eu Era Antes de Você porque é tristíssimo ver tanta beleza destruída, e porque pensa-se em todos os futuros que nunca acontecerão. Mas o filme apara a queda do espectador, porque carinhosamente preparou o espírito dele para o baque final. Chora-se, mas não se sai do cinema em crise.
Talvez, porém, eu sofra de um certo masoquismo cinematográfico, porque acho que chorar no cinema é bom, mas bom mesmo, quando o filme faz você sofrer de verdade, sem rede de segurança.
Por exemplo: já vi Império do Sol bem umas doze ou treze vezes, e desde a segunda delas decreto que, daquela vez, vou ficar firme e não vou cair no choro na última cena. Nunca ganhei a aposta. Sempre choro. Quando vejo o Christian Bale ser reconhecido pela mãe depois de anos de separação, desabo: nunca os anos que ele perdeu poderão ser reavidos, jamais o sofrimento que ele passou e testemunhou vai ser cancelado, nunca ele vai ser de novo quem fora. O reencontro, em vez de consolar, só sublinha essa amargura, a das coisas que poderiam ter sido mas não foram; é um momento perfeito do cinema de Steven Spielberg, em que o suposto sentimentalismo dele serve ao fatalismo mais completo.
Alguns dos filmes em que eu chorei cataratas porque tudo estava perdido, e nada mais poderia ser refeito:
Fim de Caso, em que, em um momento de desespero, Julianne Moore oferece um sacrifício devastador para que a vida de Ralph Fiennes seja poupada. É uma adaptação maravilhosa, dirigida por Neil Jordan, do livro sublime de Graham Greene. Produzi tanta lágrima que, no final, até o cós da calça estava ensopado – juro.
Para Sempre Lylia e O Pequeno Italiano, duas histórias fustigantes de orfandade passadas nos escombros da União Soviética, são os meus recordes pluviométricos. Lenços não deram conta. Precisei recorrer respectivamente a uma colcha e a uma toalha.
O Quarto do Filho, de Nanni Moretti, que retalhou meu coração om a história do luto de uma família, e especialmente de um pai, com a morte súbita do filho adolescente. No fim da sessão, tive de tirar as lentes de contato: os olhos estavam tão inchados que elas não paravam mais no lugar.
O Segredo de Brokeback Mountain acaba comigo, em especial quando se vê como foi triste a vida do personagem de Heath Ledger depois que ele e Jake Gyllenhaal se separaram. Aliás, se eu pensar em Heath Ledger, choro.
Ifigênia, a versão do diretor Mihalis Kakogiannis para a tragédia clássica de Eurípides, é um que eu nunca mais quis rever, para não estragar aquela sensação de choro perfeito. Eu tinha uns 15 anos, fui sozinha ao cinema no começo da tarde e tive de ficar para a sessão seguinte, para só sair quando escurecesse: fiquei com o rosto deformado de tanto chorar.
Com Menina de Ouro, do Clint Eastwood, me lavei em lágrimas. E chorei também em As Pontes de Madison, mas nada parecido com o que aconteceu com o sujeito ao meu lado – um rapaz muito metido, daqueles que ficam disputando o descanso de braço da poltrona com você e que reclamou vinte minutos seguidos, com a namorada, porque ela o enganara: aquilo não era filme do Clint Eastwood de verdade, era um romance!!!! Daí, um pouco depois, silêncio: ele parou de se queixar. Mais uns minutos, e começo a ouvir fungadas à minha direita. Um tantinho mais, som de choro. No final, ele já estava num pranto cheio de soluços, daqueles que sacodem o peito e dão dor no diafragma. Nunca vi que cara ele tinha: ele saiu correndo antes de as luzes se acenderem, para não deixar testemunhas. Desconsolado com o amor desperdiçado entre Clint e Meryl Streep, certamente. Mas também, provavelmente, acalmado pela catarse, e humanizado pela constatação de que há coisas mais importantes, no mundo, do que um descanso de braço.
Trailer
COMO EU ERA ANTES DE VOCÊ (Me Before You) Inglaterra, 2016 Direção: Thea Sharrock Com Emilia Clarke, Sam Claflin, Janet McTeer, Charles Dance, Brendan Coyle, Samatha Spiro, Jenna Coleman Distribuição: Warner |