Em janeiro deste ano, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, a ativista ambiental ugandense, Vanessa Nakate, de 23 anos, participou do evento ao lado de outras ativistas pelo clima, como a sueca Greta Thunberg, que se tornou o rosto do movimento pela defesa do meio ambiente. Depois de uma coletiva de imprensa, Vanessa e outras quatro garotas, todas brancas, tiraram uma foto para a agência de notícias Associated Press.
Ao ver a imagem publicada, Vanessa percebeu que havia sido cortada na edição. Na época, a ativista se manifestou no Twitter: “Vocês não apagaram somente uma foto. Vocês apagaram um continente. Mas estou mais forte do que nunca”. Durante a pandemia de coronavírus, Vanessa manteve o ativismo pelas redes sociais (e, nos últimos dias, aderiu à campanha #BlackLivesMatter, contra a morte brutal de George Floyd). Leia, a seguir, a entrevista com a ativista.
Em janeiro, uma agência de notícias internacional cortou você de uma foto tirada em Davos, no Fórum Econômico Mundial, ao lado de ativistas brancas, incluindo a sueca Greta Thunberg. Como recebeu aquilo? Foi muito perturbador. Antes de tirar aquela foto, falei durante uma coletiva de imprensa, me apresentei como ativista e disse que parte da mídia ignorava pessoas de comunidades diferentes. Quando vi aquela imagem sem mim, percebi o que vem acontecendo há tempos e como muitas vezes os ativistas de cor foram apagados, suas histórias foram empurradas para o chão. Naquela ocasião, também fui apagada.
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Clique e AssineO que a motivou seguir em frente? Recebi apoio de pessoas diferentes, de nichos diversos. Foi a minha motivação para não desistir e exigir o que é o certo para todos nós. O apoio das pessoas me levantou. É como agora, com o surto do novo coronavírus.
O ativismo ambiental está em perigo em tempos de coronavírus? É quase como se a crise climática tivesse sido apagada. É preocupante porque os líderes mundiais vão direcionar recursos para a recuperação econômica. O que eles vão fazer? Uma recuperação verde ou qualquer tipo de retomada? Eles podem optar pelo lucro rápido. Será que vão escolher o que precisamos ou o que será mais fácil? É desafiador pensar no que os líderes farão após a pandemia.
O surto dificultou particularmente a atuação em defesa do ambiente junto aos jovens de Uganda? Nos países africanos, valorizamos muito a educação. Nenhum pai ou mãe permitiria que os filhos saíssem da escola às sextas. É inaceitável, por qualquer ativismo que seja. O foco tem que ser na educação; é a nossa cultura. Então, nosso trabalho era dentro das escolas, em parceria com elas. Agora que estão fechadas, não podemos mais fazer isso.
Não é possível fazer a militância via internet? Outra diferença é que, por aqui, os jovens têm acesso ao primeiro celular com 18, 20 anos… Por isso, o ativismo virtual, como vem acontecendo, é menor em número do que em comparação ao presencial. Por outro lado, tenho atravessado fronteiras, pelos meios digitais, e falado sobre o meu país com pessoas de diferentes regiões do mundo.
Como está sendo esse trabalho exatamente? Uso as redes sociais para falar sobre o meio ambiente e questões climáticas, mas as pessoas, como eu disse, estão muito focadas na pandemia. É difícil de convencer novamente quem quer que seja a falar sobre o clima. Ainda há desastres ambientais acontecendo, porém todo o foco está na Covid-19.
Como está a propagação da Covid-19 no seu país? Em Uganda, temos 557 casos confirmados. Ainda é pouco se comparado ao restante do mundo. Ainda assim, a maioria das lojas fechou. Basicamente, apenas o comércio de alimentos está aberto. É quase um lockdown, só que não tão estrito. Vamos superar.