Vazar e negar: Como políticos usam a imprensa para mandar recados
Uma estratégia frequente de Lula e Eduardo Cunha?
1. O método
Vazar informações por meio de aliados e depois, se for o caso, negá-las oficialmente.
Essa é uma estratégia comum usada por políticos para mandar recados por meio da imprensa.
Esses recados geralmente visam dar uma amostra dos danos que esses políticos podem causar a pessoas que eles julgam ter se omitido, atuado ou ainda estar na iminência de se omitir ou atuar em seu desfavor.
Eles se valem, assim, do potencial interesse público das informações fornecidas, as quais a imprensa, mesmo quando ciente de estar sendo usada para determinado fim, muitas vezes não pode desperdiçar, conquanto deva sempre buscar checá-las com outras fontes e eventualmente documentos.
Os aliados concordam em passar as informações aos jornalistas desde que seus nomes não sejam citados nas matérias; e os jornalistas interessados tanto nas informações quanto em conservar a confiança de suas fontes para futuros furos de reportagem acabam aceitando o acordo que não as compromete em público.
Após a publicação das notícias, as pessoas alvejadas pelos políticos que as plantaram podem reagir ou não nos bastidores ou publicamente, buscando ou não uma uma forma de conciliação com eles.
Em seguida, os próprios políticos podem eles próprios vir a público negar conhecimento das informações ou a própria veracidade das informações que mandaram ou permitiram vazar.
O suposto desmentido não necessariamente quer dizer que seus objetivos já foram alcançados, uma vez que os demais políticos conhecem o jogo de cena e sabem que o recado vazado pode seguir em vigor.
O jogo de cena não raro inclui até mesmo críticas à imprensa por se basear em informações repassadas por terceiros, de forma anônima, ou também ataques diretos aos jornalistas por inventarem histórias ou conspirações atribuindo-as aos aliados dos políticos envolvidos.
Cabe à imprensa permanecer vigilante aos movimentos posteriores à publicação das notícias para impedir que conchavos, negociatas e jogos de cena delas resultantes sejam concretizados em segredo.
2. Uma estratégia frequente de Lula e Eduardo Cunha?
A frequência do uso do método descrito acima também se deve à dificuldade em se comprovar que a ideia do vazamento partiu de determinado político ou teve o seu consentimento tácito ou declarado.
As hipóteses de erro ou invenção por parte de jornalistas bem ou mal intencionados protegem ainda mais os políticos, mestres em explorar a desconfiança alheia em relação à imprensa e seus interesses.
Repórteres, analistas e espectadores, no entanto, não podem ignorar nem descartar a hipótese do vazamento calculado, especialmente quando os elementos da trama aumentam sua verossimilhança.
O noticiário que envolve Lula e Eduardo Cunha, por exemplo, é rico neste sentido.
a) Lula
Após ação da Polícia Federal de busca e apreensão na sede das empresas de Luis Claudio, filho de Lula, na segunda-feira, a Folha publicou a seguinte matéria baseada em informações de aliados do petista:
Trecho (com grifo meu):
“Nas conversas com aliados, Lula apresentou duas hipóteses para a ação da PF no escritório do filho, num desdobramento da operação Zelotes. Para Lula, ou essa é uma demonstração de desgoverno da presidente, ou uma prova de que Dilma orientou seu ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a unicamente protegê-la, ainda que seu padrinho político tenha que pagar o preço disso. Nos dois casos, afirmou, a responsabilidade é dela.”
Os ataques de Lula a Dilma e especialmente a Cardozo por não conseguirem melar investigações já eram noticiados havia muito tempo, mas talvez não de forma tão dura contra a suposta presidente.
Na noite do mesmo dia, o Instituto Lula divulgou nota alegando que “Não tem qualquer fundamento a matéria do jornal Folha de S. Paulo. As informações nela contidas são completamente falsas”.
A nota, obviamente, contou com a repercussão endossante de blogs e revistas “progressistas” como o Portal Forum, que recebeu 99.761 reais em 2014 de publicidade estatal federal.
Diz a manchete, logo abaixo dos banners da Petrobras e da Prefeitura de SP, hoje nas mãos do PT:
“Sem mencionar nenhuma fonte e se baseando em informações de ‘aliados’, matéria do jornal afirma que ex-presidente teria responsabilizado Dilma por ação da PF na empresa do filho.”
Faço um parêntese, a título de curiosidade:
O Portal Forum era um dos blogs “progressistas” que viviam reclamando da suposta falta de atenção da mídia à Zelotes, como se pode ver, por exemplo, na chamada para um artigo de Renato Rovai, que o próprio presidente do PT, Rui Falcão, admitiu no Roda Viva ser um militante virtual do partido:
Curiosamente, depois que a Zelotes encurralou o membro da “zelite” e dono de “grandes empresas” Luis Claudio Lula da Silva, filho de Lula, a única chamada na home do portal com referência (mas sem citação direta) ao “maior escândalo de todos os tempos” era o suposto desmentido do Instituto. Veja:
No dia seguinte à nota do Instituto Lula, Dilma correu para a festa de 70 anos do petista a tempo de chegar para a foto dos parabéns e afetar a suposta normalidade que interessa à imagem do PT.
Nota da Folha nesta quarta (28):
“Integrantes do Planalto avaliam que a ida de Dilma à festa de Lula mostra que a presidente se assustou com o risco de ver sua relação com o padrinho ‘desandar’ devido ao cerco da Zelotes sobre um de seus filhos.”
O recado de Lula foi dado. Dilma buscou a conciliação, ciente de que a oposição de Lula a atinge.
Ela sabe, no entanto, que trocar Cardozo por alguém da confiança do padrinho seria um escândalo político, porque, como falei na TVeja, confirmaria sua intenção de melar a Zelotes e a Lava Jato.
O jogo continua, mas… Quem acredita que a irritação de Lula passou?
b) Cunha
Investigado pela Procuradoria-Geral da República por ter contas secretas na Suíça, por meio das quais teria recebido dinheiro oriundo de propina do esquema do petrolão, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, passou a utilizar seu poder sobre os processos de impeachment para negociar, com oposição e governo, apoio contra sua cassação por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Casa e possivelmente até sua absolvição no Supremo Tribunal Federal (STF).
Neste cenário revelado pela imprensa, surgiu a seguinte notícia da Folha de terça-feira:
A informação de que a área técnica da Câmara dos Deputados finalizava parecer em que recomenda ao presidente da Casa que dê seguimento ao principal pedido de impeachment contra Dilma foi “apurada pela Folha com aliados de Cunha”.
No mesmo dia, o Estadão noticiou:
“Se o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentar o pedido de afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o peemedebista afirmou a aliados que decidirá favoravelmente à abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, segundo um dos líderes partidários que participou de almoço na residência oficial de Cunha.”
(Mais: “Um aliado do presidente da Câmara disse que ele já tem um parecer favorável ao pedido de impeachment apresentado pelo advogado Luis Carlos Crema.”)
O que fez Cunha?
“O presidente disse negar ‘veementemente’ a informação que, para ele, ‘cheira a molecagem’.”
Nesta quarta-feira, divulgou nota, afirmando também “que não recebeu qualquer parecer da área técnica da Casa sobre os pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff que ainda estão sob análise. Cunha reitera ainda que cabe a ele a decisão sobre o andamento dos processos independentemente da orientação jurídica”.
Cunha e/ou seus aliados podem estar usando a imprensa para mandar recados ao governo e até ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tido pelo peemedebista como aliado de Dilma?
Podem, claro. O leitor atento do noticiário não deve descartar essa hipótese, muito menos a de que Lula e Cunha usam a mesma estratégia com frequência, motivados pelo medo de acabarem na cadeia.
Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
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