O que há pela frente e por trás da decisão pró-Renan do STF
Blog resume e comenta sequência de fatos políticos e jurídicos – e o acordão
1.
Para quem não entendeu a sequência dos fatos jurídico-políticos, este blog resume por partes:
- Dias Toffoli pediu vista (mais tempo de análise) da ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) movida pela Rede Sustentabilidade, suspendendo um julgamento quando os ministros se encaminhavam para formar maioria a favor de impedir que um réu faça parte da linha sucessória (de eventual substituição) do Presidente da República.
- O decano Celso de Mello pediu então para antecipar o voto a favor do impedimento, consolidando a suposta maioria.
- O beneficiário do pedido de vista – que atrasa a publicação do acórdão e a aplicação da decisão – era Renan, que estava na iminência de virar réu no STF, como de fato virou por peculato (desvio de dinheiro público), nove anos após a denúncia.
- Toffoli também votou contra a denúncia em desfavor de Renan por peculato.
- Marco Aurélio Mello concedeu liminar (de caráter provisório) pelo afastamento de Renan da Presidência do Senado, atendendo a outro pedido da Rede, que ingressara com ação cautelar argumentando que réu não pode compor a linha sucessória da Presidência da República.
- Renan não recebeu o oficial de justiça e se negou a cumprir a decisão, preferindo aguardar a decisão do plenário do Supremo.
- Renan e seus aliados no Senado e no governo articularam um acordão de bastidor com a presidente do STF e outros ministros da Corte.
- Toffoli não levou o voto-vista à sessão sobre a liminar de Marco Aurélio, impedindo a continuidade do julgamento da ADPF.
- Posição do relator Marco Aurélio na sessão: “A previsão constitucional [não encerra a possibilidade de pular-se este ou aquele integrante da linha. A interpretação nada mais revela do que o já famoso ‘jeitinho brasileiro’, a meia sola constitucional”.
- O art. 86 da Constituição indica que presidente da República é afastado quando vira réu, logo não pode sê-lo.
- O art. 80 diz que “em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal”.
- Rodrigo Janot referendou a liminar de Marco Aurélio, alegando que a prerrogativa de substituir presidente da República é do CARGO, não da PESSOA que o ocupa. “Pau que dá em Chico tem de dar em Francisco”, acrescentou sobre a pessoa de Renan.
- Celso de Mello pediu antecipação de voto e abriu a divergência ao relator Marco Aurélio, detalhando o próprio voto no julgamento da ADPF para afirmar que fora a favor do impedimento de réu na Presidência da República, não em seu cargo de origem na linha sucessória.
- A explicação do voto de Celso de Mello desfez a suposta maioria consolidada no julgamento da ADPF pelo impedimento, tirando parte da força da liminar de Marco Aurélio.
- O decano também alegou que um dos requisitos para a liminar é a existência de “perigo na demora”, o que não haveria, segundo ele, em manter Renan no cargo porque se o presidente da República ficar impedido, o presidente da Câmara assume.
- Lewandowski, parceiro de Renan no fatiamento da votação do impeachment de Dilma Rousseff, destacou que votos no julgamento da ADPF são provisórios e podem ser revertidos até o fim do julgamento (interrompido por Toffoli).
- Placar final: 6 a 3. Votaram por manter Renan na Presidência do Senado, impedindo apenas que assuma Presidência da República: Celso de Mello, Teori Zavascki, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Votaram pelo afastamento de Renan da Presidência do Senado: Marco Aurélio Mello, Luiz Fachin, Rosa Weber. Ausentes: Gilmar Mentes (em viagem ao exterior) e Luís Roberto Barroso (declarou-se impedido).
2.
Tuitadas da manhã:
– Se Renan Calheiros foi orientado por um ministro (Dias Toffoli? Ricardo Lewandowski? Gilmar Mendes?) a não receber oficial de justiça (como informa Lauro Jardim), impeachment é pouco para esse ministro.
– Onde está a Lava Jato numa hora dessa para nos trazer o áudio das conversas de bastidor entre Renan e seus ministros-advogados no STF?
– Governo também atuou junto aos ministros e considerou uma vitória a decisão. “Não é acordão, mas entendimento entre Poderes”, disse um auxiliar. Entendemos o eufemismo.
– Qualquer vestígio de pureza de Cármen Lúcia como presidente do STF se perdeu com o comando do acordão para salvar Renan. Em resumo: Cármen Lúcia lewandowskiou.
– “O escárnio venceu o cinismo”, disse Cármen Lúcia em 2015. O escárnio continua vencendo no STF sob sua presidência.
– Melhor manchete de capa do dia é a do jornal O Globo.
– Ainda que houvesse brecha jurídica para salvar Renan (o que STF cria se não há), teatro ensaiado, com Celso de Mello como protagonista, é um escândalo.
– Na manhã de quarta-feira, antes da sessão, a imprensa já havia noticiado que Celso daria o primeiro voto, alterando a ordem usual; e que Toffoli não levaria o voto-vista. O roteiro do acordão estava pronto.
– Que ministros da mais alta Corte do país combinem nos bastidores a ordem e como vão votar, tirando espontaneidade do julgamento, é… podre.
– Não é porque você julga uma opção politicamente melhor que deve fechar os olhos para ilegalidades ou imoralidades cometidas em seu favor.
– Exemplo: “Ah, mas um petista assumiria! A quem interessa?” Lamento, mas nem por isso devemos nos calar sobre acordão de bastidor no STF.
– Você pode argumentar em favor da legalidade da decisão do STF, mas isto não tira a imoralidade do acordão de bastidor. Categorias distintas.
– Porque uns fazem tudo em nome do que preferem, outros, contaminados, tornam-se incapazes de distinguir preferência, legalidade e moralidade.
– Na internet, você critica uma coisa e o sujeito ataca você argumentando sobre outra. É a confusão de categorias triunfante.
– “Perigo na demora” (periculum in mora) é o receio de que a demora da decisão judicial cause um dano grave ou de difícil reparação ao bem tutelado. Este receio, como se sabe até pela denúncia de 9 anos de Renan, o STF nunca teve para julgar coisa alguma.
– Celso alegou que não há iminência de que Renan tenha de substituir o presidente, mas ninguém sabe o que pode acontecer com Michel Temer e Rodrigo Maia a qualquer momento. O destino não é tão previsível como uma sessão ensaiada do Supremo.
– Caso Temer e Maia não possam ocupar a Presidência, teríamos um salto na linha sucessória de Maia para Cármen Lúcia, que assumiria o cargo. E a Constituição impõe a ordem sucessiva, sem salto, no artigo 80. É sobretudo nisto que Fachin e Rosa concordaram com Marco Aurélio.
– Jorge Viana (PT-AC) está aliviado. Escapou de ficar entre pressão do PT para travar votações e da base aliada do governo para resgatar o país. Ufa.
– Renan elogiou Viana: “extraordinário papel”, “defesa do interesse nacional”, Jorge “é instituição suprapartidária”. Renan é o porto-seguro dele contra a Bancada da Chupeta. Jorge vai ganhar o prêmio de vice do ano.
– Renan confirmou para terça-feira a votação do 2º turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos públicos. Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann já voltaram a espernear.
– Estadão diz que STF racha sobre punir Renan: “Parte dos ministros avalia que, como foi derrubada, a liminar perdeu seu efeito. Mas há também os que defendem que é preciso puni-lo.” Sei.
– Marco Aurélio encaminhou voto para que Rodrigo Janot investigue a desobediência de Renan. O resto do STF, no máximo, prefere deixar esse pepino para o procurador-geral da República.
– Um ministro do STF, segundo Estadão, “teme que o Judiciário seja retaliado com a votação de medidas indesejáveis”. Há muito mais do que supostas leis por trás da decisão da Corte em favor de Renan. Promessa de Renan de engavetar projeto contra supersalários nos três Poderes é uma opção lógica. A de engavetar projeto sobre abuso de autoridade no Judiciário, outra.
– Marco Aurélio ao Globo: “O entendimento entre os Poderes parece que está muito afinado, viu?” Vimos.
– Melhor meme nas redes sociais neste emblemático “Dia da Justiça” resume a opinião pública:
Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
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