Lançado em 2000, o filme Gladiador virou uma febre instantânea: além da bilheteria de 465 milhões de dólares e cinco estatuetas no Oscar, entre elas a de melhor filme, a superprodução assinada pelo diretor Ridley Scott causou um impacto cultural inesperado na época, chegando até mesmo a pautar um comercial de refrigerante com Beyoncé e Britney Spears. Passados dois anos do lançamento, Scott se reuniu com o ator Russell Crowe, que deu vida ao protagonista Maximus — um general romano renegado, que vira escravo e, depois, gladiador. O diretor desejava fazer uma sequência, porém, não queria abrir mão de Crowe. “Mas como faremos isso? Estou morto”, respondeu o ator sobre a condição incontornável de seu personagem.
Ideias estapafúrdias foram consideradas, como colocar Crowe em outro papel — ou trazê-lo dos mortos como uma entidade romana que tentaria se opor, vejam só, a Jesus Cristo. Nenhuma delas saiu do plano das ideias. Agora, mais de duas décadas depois, Scott encontrou um meio de não só lançar uma sequência respeitável como também de trazer Crowe de volta — ao menos de forma simbólica: em Gladiador 2 (Gladiator 2; Reino Unido e Estados Unidos; 2024), em cartaz nos cinemas, Maximus é a bússola moral que paira sobre Roma e sobre o novo protagonista, Lucius, interpretado com vigor pelo jovem ator irlandês Paul Mescal, de 28 anos.
Assim como o neozelandês Crowe foi uma aposta arriscada, mas calculada pelo diretor, que viu no então novato a força bruta que atrairia o público masculino — e a beleza rústica que arrebanhou boa parte da plateia —, Mescal tem a missão de levar às salas a geração Z, que o considera galã, além de adeptos do cinema indie, filão que deu a ele uma indicação ao Oscar em 2023 pelo filme Aftersun. Lucius é o sobrinho de Commodus (interpretado no filme anterior por Joaquin Phoenix), o imperador tirânico que perseguia Maximus. Ainda criança no longa de 2000, Lucius foi enviado ao exílio pela mãe, Lucilla (Connie Nielsen, que volta ao elenco), para ser salvo dos que almejavam matá-lo para assumir o trono.
Ele cresce sob nova identidade em uma cidade africana que parecia a salvo dos romanos, mas não estava: o gosto por sangue e território dos imperadores, os irmãos Geta e Caracala (interpretados por Joseph Quinn e Fred Hechinger, respectivamente), que dividiam o poder, leva a incursão militar até Lucius, que é capturado pelo general Marcus Acacius (Pedro Pascal). Vendido para o comerciante Macrinus (Denzel Washington, em uma atuação contagiante), Lucius carrega um ódio enorme por sua família e pelos compatriotas — caminho que o leva até o centro do Coliseu.
Se o primeiro Gladiador encarou o desafio de ressuscitar o épico romano, gênero que salvou Hollywood no fim dos anos 1950, com os clássicos Ben-Hur (1959) e Spartacus (1960), sua sequência chega em um cenário no qual o termo “épico”, de tão usado, se tornou vago. Da nova adaptação da fantasia Duna, passando pelos vários Star Wars, até o recente Megalópolis, de Francis Ford Coppola, todos retratam confrontos gigantescos, impérios opressores e heróis bons de briga — à moda dos antigos romanos. Conquistar o público já versado nessa fórmula será o desafio de Gladiador 2. Para isso, Scott usou de forma meticulosa o orçamento de 300 milhões de dólares. Como no primeiro longa, o diretor construiu o próprio Coliseu em Malta, numa mistura de estrutura física e efeitos digitais: a arena possui o tamanho de um campo de futebol e a arquibancada, que reaproveitou ruínas históricas, tem dois andares — o restante foi refeito no computador. Lutas com animais selvagens e até uma batalha de navios com a arena inundada incrementam o menu de ação.
No roteiro, personagens reais e fictícios se misturam — Acacius nunca existiu; Lucius, sim, mas não chegou à vida adulta; Macrinus também é real, assim como os irmãos imperadores: trio que, na vida real, teve uma importância maior que a retratada no filme. O personagem de Denzel Washington foi um homem influente no império, que chegou até mesmo ao trono (por um breve período). Já os irmãos-problema passaram tempo suficiente no poder para que fossem considerados piores que outros imperadores de Roma, como Calígula, Nero e até Commodus, nomes lembrados não por seus feitos, mas por sua crueldade. Como dizia Maximus na frase repetida no novo Gladiador: “O que fazemos na vida ecoa na eternidade”. O futuro dirá se a aposta de Ridley Scott merecerá ser lembrada como uma sequência digna de um clássico.
Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2024, edição nº 2919