‘Golda’: Helen Mirren dá vida à dama de ferro da política de Israel
Filme observa o conflito do Yom Kippur de dentro do gabinete da primeira-ministra
Para se tratar em segredo de um linfoma, a primeira-ministra de Israel, Golda Meir, vai ao hospital de madrugada e entra escondida pelo necrotério. No caminho, passa por um corredor com prateleiras de ambos os lados, que se estendem até o teto, deixando à mostra os pés dos corpos que ali aguardam seu destino final. Ao longo dos dias seguintes, a mandatária verá um aumento exponencial no número de cadáveres no local. As cenas discretas, mas poderosas, são as únicas do filme Golda — A Mulher de Uma Nação (Golda; Reino Unido/Estados Unidos; 2023), em cartaz nos cinemas, a materializar o resultado trágico da guerra do Yom Kippur: em outubro de 1973, ao longo de dezenove dias, mais de 2 500 israelenses morreram na defesa contra uma invasão árabe — os inimigos perderam 8 000 soldados.
Figura controversa da história, Golda Meir (1898-1978), vivida no filme por uma irreconhecível e excelente Helen Mirren, foi a primeira e até hoje a única mulher a chefiar o Estado de Israel. Com punho de ferro e talento para negociações, assumiu o posto de primeira-ministra em 1969, aos 70 anos de idade, e renunciou em 1974, levando consigo o peso moral das decisões drásticas que tomou. No início do filme, dirigido pelo cineasta israelense Guy Nattiv, Golda ainda lida com resquícios diplomáticos do Massacre de Munique, o atentado contra a delegação israelense na Olimpíada de 1972. Para vingar a morte de onze atletas judeus, o Mossad, agência de inteligência israelita, recebeu o aval da primeira-ministra para caçar todos os palestinos envolvidos com o ato terrorista. A ação fez de Golda um nome a ser temido entre as lideranças mundiais e aclamado em solo israelense — cenário posto em xeque com a guerra do Yom Kippur, que fez despencar sua popularidade entre os compatriotas.
Golda
In the Frame: My Life in Words and Pictures
Concentrado no gabinete da primeira-ministra e em reuniões militares, o longa observa a guerra a distância, a partir de imagens de satélite nas quais riscos de luz atravessam o mapa, atingindo tanques e aviões em baixa resolução. Vozes de soldados em combate e uma trilha sonora pungente dão o tom de pesadelo, enquanto decisões são tomadas por aqueles longe da linha de frente do combate — que, mais tarde, serão acusados de negligência diante da ofensiva iminente. Humanizada pelo roteiro, Golda se autodestrói nos bastidores: tratando um câncer, sofre de ansiedade e fuma desenfreadamente — dizem que consumia setenta cigarros ao dia. A perda de vidas humanas, por fim, rendeu um acordo de paz entre Israel e Egito que dura até hoje — um legado assinado com sangue pela dama da guerra.
Publicado em VEJA de 1º de setembro de 2023, edição nº 2857
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