Uma adolescente descabelada carrega um estranho pote de vidro pela escola. Pária da hierarquia social, ela já não tem mais amigas desde que Samidha (Megan Suri), sua colega e única outra indiana da escola, passou a usar o apelido “Sam” e andar com as meninas malvadas e atletas durões. Certo dia, num acesso de bullying, Sam quebra o pote da ex-amiga, sem saber que libertaria uma força milenar com sede de sangue e inseguranças juvenis. A jovem então passa a ser assombrada pela criatura, cujo poder cresce conforme a jovem mais reprime sua cultura. É essa a história do engenhoso Não Abra!, nova aposta dos produtores de Corra! — filmes que compartilham mais do que um ponto de exclamação e um verbo imperativo. Dirigido pelo estreante Bishal Dutta, o longa almeja debater as pressões sofridas sobre imigrantes e suas famílias em países ocidentais majoritariamente brancos, mas o faz com a boa e velha linguagem americana do filme de terror suburbano. Em entrevista a VEJA, Dutta comenta suas inspirações pessoais e cinematográficas, como sua identidade o faz se sentir em Hollywood e a importância do chamado “terror social”:
O filme remete a clássicos como O Mistério de Candyman e O Chamado, além de ter várias pequenas referências espalhadas. O que você queria trazer do histórico do terror para essa história? Esse filme é uma carta de amor aos longas que cresci assistindo — e você citou um dos meus favoritos, O Mistério de Candyman. Além dele, pensei muito em Arraste-Me Para o Inferno de Sam Raimi, Halloween – A Noite do Terror, Christine – O Carro Assassino, Carrie – A Estranha, A Hora do Pesadelo e Poltergeist, entre outros. O que me animou no projeto foi a chance de fazer esse tipo de terror muito específico e familiar, mas situá-lo em um universo e uma estética típicos do gênero. Também aprendi muito com os filmes de mestres modernos como James Wan — o objetivo era homenageá-los e tentar replicar a experiência grandiosa de assistir a um horror na sala de cinema.
A criatura antagônica é um traje completamente prático, sem os efeitos especiais que dominam Hollywood. Essa foi uma escolha consciente? Os efeitos especiais são uma ferramenta incrível e ajudam o cinema a visualizar elementos que jamais poderíamos imaginar antes — mas existe uma disciplina no uso de efeitos práticos e em construir itens que serão realmente filmados. Acho que o público também engaja de maneira muito visceral com aquilo que entendem que foi de fato capturado por uma câmera em locação concreta. Neste filme, trabalhei com o desejo de ecoar algumas das minhas criaturas favoritas — A Mosca e Hellraiser, por exemplo. Era importante para mim emular a fisicalidade e textura desses antecedentes.
O terror sempre lidou com figuras ostracizadas e minorias, mas o público tem ficado mais consciente sobre aspecto desde a estreia de Corra!, dos mesmos produtores de Não Abra! Acredita que a abertura para terror explicitamente social seja maior hoje? Sim. Filmes de sucesso como Corra! nos ajudaram a superar conversas simplistas e redutivas sobre raça. Corra! provocou o público a abraçar histórias mais nuançadas. Nosso filme, Não Abra!, não quer ser totalmente um filme sobre racismo. A história pensa como nos sentimos sobre nós mesmos neste mundo e como rejeitamos nosso próprio passado ou cultura. Agora parece haver uma janela maior no cinema mainstream para debatermos raça desta maneira multifacetada.
O filme é inspirado por histórias ou experiências próprias como indiano americano? Existe uma história que inspirou o filme diretamente. Supostamente, quando meu avô era um jovem na Índia, ele foi até a casa de um amigo, e a filha desse amigo tinha um pote com o qual ela conversava. Ele estava vazio, mas quando meu avô apontou esse fato, a menina se emburreceu, abriu o pote e fez um gesto como se estivesse atirando algo. Quando ele chegou em casa, coisas estranhíssimas passaram a acontecer com ele, como barulhos durante a noite. O pior foi um pacote de nozes esvaziado repentinamente enquanto ele comia. Depois disso, ele abandonou a casa. Adorava ouvir essa história quando era criança.
O tema central do filme é a assimilação de minorias a culturas dominantes. Quanto essa pressão fez parte de sua vida? Senti muita pressão na infância e adolescência, quando me sentia bifurcado. Na faculdade, aprendi a sintetizar minha própria identidade, e a partir daí algo mudou. Parei de rejeitar as mesmas coisas que a protagonista do filme, Sam, rejeita. Em Hollywood, sinto que minha cultura é uma espécie de super-poder. É importante que as pessoas que hoje chegam ao mercado sejam vozes significativas com um histórico cultural particular.