A ampla produção literária mundial ofereceu exemplares primorosos aos brasileiros em 2023. Confira a seguir uma seleção feita pelo time de VEJA com os nove melhores livros publicados por aqui este ano:
Brancura, de Jon Fosse
(Tradução de Leonardo Pinto Silva; Fósforo; 64 páginas)
No breve enredo de Brancura, um homem vaga por uma floresta movido pela curiosidade ao vislumbrar um ser reluzente. Filosófica, a prosa que bebe da poesia é típica do autor norueguês de 64 anos, ganhador do Nobel de Literatura de 2023. Dramaturgo contemporâneo mais encenado do planeta, ele transforma, como disse a Academia Sueca, “o indizível em palavras”, retratando assim as grandes angústias do mundo real. Leia resenha aqui.
A Herança dos Bem-Aventurados, de Ayòbámi Adébáyò
(Tradução de Bruno Ribeiro; HarperCollins; 366 páginas)
Em seu segundo romance, a talentosa autora nigeriana faz um retrato afiado do país africano na atualidade, a partir de duas vidas opostas que se chocam: a do adolescente Eniolá, cuja família vive batalhas diárias em razão do desemprego do pai, comprometendo o acesso dos filhos a um bom estudo; e a da médica Wúràolá, nascida em um clã abastado e influente. Desigualdade social e de gênero, violência e corrupção permeiam uma trama envolvente que, apesar das tensões desoladoras, abre espaço para fagulhas de humanidade e alegria. Leia resenha aqui.
Amazônia na Encruzilhada, de Míriam Leitão
(Intrínseca; 464 páginas)
A relação da jornalista mineira com a Amazônia começou na década de 1970, quando fez sua primeira reportagem por lá. Desde então, após diversas visitas e entrevistas, Miriam Leitão se tornou testemunha ocular das mudanças da região — experiência que culminou nesse notável livro-reportagem. Entre vivências jornalísticas de alta-tensão, como uma perseguição da polícia a garimpeiros, até uma variedade de exemplos de pessoas que desenvolvem atividades econômicas sustentáveis, a obra explora não só as consequências assustadoras do desmatamento, mas também expõe as possibilidades lucrativas e os aprendizados na maior floresta tropical do mundo. Leia resenha aqui
Quem Matou meu Pai?, de Édouard Louis
(Tradução de Marília Scalzo; Todavia; 72 páginas)
Tão íntima e particular quanto universalmente política, a escrita de Édouard Louis, o enfant terrible da tradição literária francesa, tece autoficção dilacerante sobre os duros tópicos dos noticiários do país — que se repetem também no mundo. Em Quem Matou Meu Pai?, ele revisita sua relação conturbada com o genitor, um operário truculento que o criou com distanciamento emocional, focado em garantir que o menino não fugisse de expectativas relativas à masculinidade convencional. Adulto, Louis o visita para encarar as estruturas que moldaram sua infância enquanto reflete sobre a condição atual do pai, levado à miséria por um acidente de trabalho. Ao decorrer do processo, o autor denuncia a casta política que afeta diretamente o pouco bem-estar de sua família, e assim gradualmente se concilia com o homem que pode enfim conhecer, promovendo o afeto como ferramenta indispensável da mobilização contemporânea. Leia resenha aqui
A Outra Filha, de Annie Ernaux
(Tradução de Marília Garcia; Fósforo; 64 páginas)
Celebrada por reinventar o gênero biográfico, injetando questões filosóficas, históricas e sociais em suas tramas, Annie Ernaux, aqui, faz um desabafo de tom psicanalítico. A autora francesa tinha 10 anos quando ouviu sua mãe contar a outra pessoa sobre uma primeira filha que morrera. O segredo revelado veio acompanhado de uma comparação: “Ela era mais boazinha que aquela ali”, disse sobre Annie. A vencedora do Nobel de Literatura de 2022, então, tece uma carta à irmã que não conheceu. A narrativa profundamente pessoal reflete sobre o modo como o luto afetou a família e sua personalidade, moldada como a garota rebelde que nunca seria páreo para a irmã morta.
Nós nos Espalhamos, de Iain Reid
(Tradução de Maira Parula; Rocco; 288 página)
O autor canadense Iain Reid caiu nas graças do cinema com sua prosa sucinta, engenhosa e viciante, combinação ideal para livros de suspense filosófico — caso do pop Estou Pensando em Acabar com Tudo, vertido em filme para a Netflix por Charlie Kaufman, e Intruso, também adaptado para o cinema, mas ainda sem estreia no Brasil. Seu terceiro trabalho chegou ao Brasil este ano e acompanha uma protagonista idosa que é levada a uma casa de repouso, onde situações estranhas acontecem. Narrado a partir do ponto de vista dela, a trama prende ao deixar dúbio o quão real ou fruto da imaginação são os incidentes que ocorrem ao longo de seu período ali. Leia resenha aqui
Salvar o Fogo, de Itamar Vieira Junior
(Todavia; 320 páginas)
Após as conquistas brilhantes de Torto Arado, o autor baiano bebe de elementos semelhantes para construir outra trama sobre o direito humano ao território, questão que perpassa a opressão da comunidade pobre, o peso colonizador da religião e a ancestralidade negra e indígena. A narrativa acompanha Moisés, órfão de mãe que vive com o pai, Mundinho, e a tia, Luzia, em um povoado rural fictício. Após anos, um grave acontecimento reúne a família, dispersa pela busca por melhores condições em outros lugares. É então que se revelam os fantasmas da história da família e da aldeia – que, por extensão, funciona como diagnóstico de um Brasil inteiro. Sempre afiado, o autor encanta e revolta o leitor ao mesmo passo. Leia resenha aqui
O Livro Branco, de Han Kang
(Tradução de Natália T. M. Okabayashi; Todavia; 160 páginas)
Autora do belo (e estranhíssimo) A Vegetariana, Han Kang usa sua escrita poética e seu flerte com o realismo fantástico para processar um trauma familiar: sua mãe viu morrer nos braços a primeira filha. Mesmo sem ter conhecido a irmã nem visto imagens dela, Han discorre sobre o ocorrido como se fosse testemunha ocular do evento, enquanto narra outras tramas de perdas e ganhos. Cor que representa o luto em parte da Coreia do Sul, o branco do título serve como símbolo que liga o fim com novos recomeços.
Manet no Rio, de Édouard Manet
(Tradução de Régis Mikail; Ercolano; 96 páginas)
Antes de se tornar um pintor mundialmente aclamado, Édouard Manet (1832-1883) passou uma rápida temporada no Rio de Janeiro, aos 17 anos. As cartas que ele enviou à família relatando as impressões do Brasil estão reunidas no livro lançado este ano pela editora Ercolano. Na obra ricamente ilustrada, Manet se encanta com a natureza da cidade, a qual chama de “mais bonita do mundo”, e se diverte com o Carnaval, mas se espanta com a escala da escravidão, pintando a imagem de um país dividido. Estudiosos sugerem que a tela Olympia (da foto acima) teria sido uma referência do pintor ao Brasil, já que apenas por aqui uma prostituta teria uma escrava. Leia resenha aqui