Nos primórdios do cinema, as princesas da Disney padeciam de um dilema comum: donzelas em perigo e maltratadas por vilãs implacáveis, nomes como Branca de Neve e Cinderela viviam à mercê das decisões alheias — e de príncipes salvadores. Isso até 1989, quando uma sereia curiosa e de longas madeixas ruivas injetou uma bem-vinda dose de rebeldia no gênero. Motivada pelo desejo de conhecer mundos que estavam fora do seu alcance — no caso, a terra por onde os humanos caminhavam —, e, claro, por um crush bonitão bem complicado, a princesa aquática tomou as rédeas de sua vida, fez escolhas e bancou as consequências advindas delas. Assim, a animação com a incontornável princesa Ariel virou um sucesso mundial alinhado ao espírito feminista da época — que pregava a liberdade da mulher e levou Madonna e Cyndi Lauper ao topo das paradas musicais. Mais de trinta anos depois, a sereia rebelde retorna aos cinemas com um novo aceno à atualidade: o live action A Pequena Sereia (The Little Mermaid, Estados Unidos, 2023), já em cartaz, entrega a cauda de peixe de Ariel à atriz negra Halle Bailey.
Boneca Ariel – A Pequena Sereia
Desde o anúncio da escalação, tal mudança incitou racistas ao redor do planeta. “Fiquei surpreso com o fato de haver qualquer discussão sobre ser uma mulher negra”, disse a VEJA o diretor Rob Marshall. “É uma mentalidade arcaica, mas o fato de que permanece por aí torna ainda mais importante que as pessoas vejam Halle magnífica nesse papel.” De fato, Halle cumpre a função com maestria. Carismática e dona de uma voz potente e doce, a jovem de 23 anos hipnotiza em cena. “Minha vida teria mudado se tivesse uma sereia negra para admirar quando mais nova. A representatividade é importante”, diz ela (leia a entrevista abaixo).
A pequena sereia – A história do filme
Para além de sua importância, elencos diversos já comprovaram seu valor em dólares. Em 2021, a animação Encanto, sobre uma família colombiana, bateu recordes de audiência no streaming e fez a Disney retornar às paradas musicais após quase três décadas — fora os inúmeros bonequinhos vendidos feito água. O elenco talentosíssimo de A Pequena Sereia — formado ainda por Melissa McCarthy, que rouba a cena na pele da vilã debochada Úrsula, e pelo espanhol Javier Bardem, impactante como Rei Tritão — é não só uma escolha louvável: ainda consegue salvar o filme.
O longa faz parte do pacote de remakes para tentar combater uma grande crise criativa. Desencadeada por Malévola, em 2014, a série de live actions da Disney prometia rever clássicos animados por novas óticas, mas não demorou a cair na cópia pura e simples do passado — só que com atores de carne e osso e animais computadorizados sem metade do carisma dos bichinhos dos desenhos. O modelo se vende, claro, pela nostalgia — Aladdin e O Rei Leão, de 2019, ultrapassaram 1 bilhão de dólares em bilheteria. Em outras vezes, a fórmula empacou, a exemplo do esquecível Pinóquio, com Tom Hanks. Para se equiparar à magia atemporal dos clássicos de animação, roteiros ousados são imprescindíveis, como ensinou Ariel lá em 1989. Os bem-vindos mares da diversidade poderiam vir acompanhados de mais conteúdo.
“Ariel prega a independência”
A atriz Halle Bailey, 23, falou a VEJA de sua ligação com a princesa de A Pequena Sereia, a quem vive no novo filme.
Em resposta aos racistas, que reclamaram de uma Ariel negra, as redes sociais foram tomadas por vídeos de garotinhas felizes. Como se sentiu? Chorei muito. Minha vida teria mudado se tivesse uma sereia negra para admirar quando mais nova, a representatividade é importante para a autoconfiança. Significa muito para mim ser um refúgio para as crianças agora. Me sinto até pressionada: só quero deixá-las orgulhosas e que se sintam confortáveis na pele que têm.
Se identifica com Ariel? Nossa relação com a música é parecida: cantar é libertador. Vivemos uma longa jornada juntas: fiz o teste para o papel quando tinha 18 anos, e em 2023 completei 23. Ariel prega a independência e ela me ensinou muitas coisas sobre mim mesma. Foi a experiência mais bela e desafiadora da minha vida, e caí em lágrimas quando terminamos o filme. Não queria mais ficar longe dela.
Há quem prefira que os clássicos se mantenham intocados. O que acha? Estou no time dos remakes. Os originais são icônicos, mas também é especial atualizá-los em uma versão um pouco mais moderna, para que as crianças do futuro possam ver um filme que reflita um mundo mais parecido com o que conhecem.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2023, edição nº 2843
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