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Dias Lopes

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O doce da cantora

Uma sobremesa simples, feita com pêssegos, sorvete de creme e uma fava de baunilha, em homenagem à soprano Nellie Melba, que virou símbolo de refinamento

Por J.A. Dias Lopes 5 jun 2018, 20h11
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  • Um dos doces mais simples do mundo se transformou em um dos ícones mundiais da pâtisserie. Surgiu na Inglaterra, mas recebeu nome francês. Chama-se Pêches (Pêssegos) Melba. Inicialmente, compunha-se apenas de pêssegos, bolas de sorvete de creme e uma fava de baunilha; depois, recebeu uma calda gelada de framboesa. Foi criado pelo chef francês Auguste Escoffier (1846-1935), o mais importante cozinheiro da belle époque – período de graça e requinte iniciado em 1890, na Europa, em consequência dos avanços industriais, comerciais, sociais e culturais, e encerrado em 1914, com a devastação da I Guerra Mundial.

    O grande chef trabalhou em Paris, Nice, Lucerna, Monte Carlo e Cannes, mas foi em Londres que brilhou com maior fulgurância. Ali, estimulado pelo gerente e depois empresário suíço César Ritz, cuidou das cozinhas dos luxuosos hotéis Savoy e Carlton, encantando com seu talento o rei britânico Edward VII, nobres alemães, austríacos e russos, expoentes do mundo dos negócios, da política e artistas luzidios. Batizou muitas das suas receitas com os nomes de figuras notáveis, como Potage Sarah Bernhardt (a espetacular atriz parisiense) e o Sole Alice (a neta da rainha Vitória, da Inglaterra).

    A sobremesa Pêches Melba homenageou a cantora australiana Nellie Melba (1859-1931), uma das maiores sopranos da época e, segundo seus fãs, de todos os tempos. Ela estreava na capital britânica a ópera romântica Lohengrin, em três atos, do compositor alemão Richard Wagner (1813-1883). Escoffier amava a beleza, a agilidade e a extensão da voz da cantora, assistindo às suas apresentações e chamando-a de Diva Graciosa. Nellie se deliciava com as receitas inovadoras do cozinheiro que redefiniu a culinária francesa e contribuiu para seu prestígio mundial.

    Lohengrin é um cavaleiro-andante de uma ordem dedicada a socorrer reinos que perderam seus protetores. Chamado para defender um deles, o antigo ducado de Brabante, hoje dividido entre os atuais territórios da Bélgica e Holanda, surge em um barco guiado por um cisne majestoso e oferece ajuda a Elsa. A moça, filha do falecido duque, é acusada de ter assassinado o próprio irmão, herdeiro do trono. Elsa aceita o socorro e as condições impostas por Lohengrin: nunca perguntar seu nome, nem de onde veio. O cavaleiro-andante casa com a moça e fica ao seu lado. Um dia, porém, Elsa faz as duas perguntas proibidas. Lohengrin as responde e deixa Brabante para nunca mais voltar, novamente guiado pelo cisne.

    O pêssego, as bolas de sorvete de creme e a fava de baunilha que compõem a sobremesa para Nellie, sugerem a silhueta da ave elegante, de pescoço muito longo e pernas situadas atrás, reproduzem saborosamente a composição de Wagner. A invenção de Escoffier enlaçou a música e a culinária, artes que se completam divinamente. Não por acaso, o guloso compositor italiano Gioacchino Rossini (1792-1868), assegurou pouco antes de morrer que não teria composto 39 óperas, entre as quais O Barbeiro de Sevilha,, se não frequentasse os melhores restaurantes de Paris…

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    A versão mais difundida é que Escoffier presenteou Nellie com a primeira versão de Pêches Melba em 1892, na noite em que ela foi ao restaurante do Hotel Savoy, com um grupo de acompanhantes, comemorar sua aplaudida performance como Elsa, da ópera Lohengrin, em Londres. Entretanto, a soprano contou uma história diferente na autobiografia Melodies and Memories (AMS Press, Austrália, 1926).

    “Eu me encontrava almoçando sozinha numa saleta de um andar superior do Hotel Savoy (…), quando chegou uma travessa de prata, destampada em minha frente, com uma mensagem dizendo que aquela sobremesa havia sido preparada especialmente para mim pelo senhor Escoffier”, escreveu ela no livro. Então, Nellie pediu para que o garçom perguntasse ao chef como se chamava a surpresa. “A resposta foi que não tinha nenhum nome, mas que o senhor Escoffier ficaria honrado se pudesse chamá-la Pêssegos Melba”, continuou a cantora.

    A partir da década de 20, a ópera Lohengrin e todas as composições de Wagner foram colocadas de quarentena – e por razões políticas e ideológicas. Levou-se em conta que o autor também havia sido ensaísta e nessa condição escreveu ensaios antissemitas. O mais controvertido foi “Das Judentum in der Musik”, de 1850, no qual atacava a influência dos judeus na cultura alemã em geral e na música em particular. A crítica mirava especialmente os compositores hebreus Giacomo Meyerbeer e Felix Mendelssohn, seus rivais na arte. Com o advento do antissemitismo nazista, Adolf Hitler e os alemães fiéis ao führer tenebroso tomaram Wagner como exemplo “da superioridade da música e do intelecto germânicos”.

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    A questão é se o autor da ópera Lohengrin apreciaria Pêches Melba. Apesar da sensibilidade musical, da complexidade das suas composições, das harmonias ricas e das orquestrações exuberantes, Wagner não era um sujeito requintado à mesa. Apreciava a cozinha típica de sua terra natal – nasceu em Leipzig, a cidade mais populosa da Saxônia, um dos dezesseis estados federados da Alemanha. Gostava de couve com linguiça e carne de boi cozida com ossos e tutano em caldo de legumes. Morreu antes da efervescência da belle époque e da invenção de Pêches Melba. Talvez não entendesse a refinada metáfora gastronômica de Escoffier.

    PÊCHES MELBA

    RENDE 4 PORÇÕES

    INGREDIENTES
    .400g de framboesas
    .50g de açúcar
    .50ml de água
    .1/2 fava de baunilha cortada ao meio, no sentido do comprimento
    .8 bolas de sorvete de creme
    .8 belas metades de pêssegos em calda (gelados e escorridos)
    .4 favas de baunilha (para a decoração)

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    PREPARO
    1. Amasse as framboesas e passe-as para uma panela.
    2. Incorpore o açúcar, a água, a fava de baunilha cortada ao meio, misture bem e cozinhe por cinco minutos, em fogo baixo, sem mexer.
    3. Deixe resfriar, descarte a fava e reserve essa calda na geladeira.

    MONTAGEM
    4. Faça a montagem em quatro taças, distribuindo harmoniosamente, em cada uma delas, duas bolas de sorvete e duas metades de pêssego.
    5. Cubra com a calda de framboesas gelada, decore com as favas de baunilha e sirva imediatamente.

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