Muitos acreditam que a rainha Maria Antonieta zombou do povo faminto antes de ter a cabeça decepada pela guilhotina, durante a Revolução Francesa (1789-1799). Afirmam que a mulher de Luís XVI reagiu com esta pérola aos clamores da multidão que pedia comida: “Se não têm pão, que comam brioches”. Nem todos sabem, porém, que essa versão carece de fundamento.
O deboche ocorreu anteriormente, feito por outra mulher da nobreza. Foi atribuído a uma princesa não identificada, pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau, na autobiografia “Confissões”, escrita em 1765. Na época, a futura rainha da França tinha dez anos de idade e ainda morava em Viena, na Áustria, onde nasceu. Outros garantem que a frase foi dita quase um século antes, por Maria Teresa, mulher de Luís XIV.
Mesmo assim, no próximo dia 14 de julho muitos restaurantes franceses do mundo inteiro oferecerão brioches à clientela, junto com outras receitas simbólicas. Recordarão a tomada da Bastilha pelo povo amotinado, ocorrida no mesmo dia, em 1789. Naquela prisão, o absolutismo monárquico encarcerava os adversários. Os corredores do seu calabouço eram tão estreitos que as pessoas precisavam escolher uma posição corporal para entrar. Além disso, seguidamente morriam de fome, frio e doenças.
O brioche (os franceses falam “a” brioche) leva farinha de trigo, leite, fermento, açúcar, ovos, manteiga e sal. Trata-se de um pão doce, de luxo, com a massa delicada e a crosta dourada. Às vezes é aromatizado com água de flor de laranjeira e incorpora passas, frutas cristalizadas ou frescas, pistache, chocolate etc. Pode ser moldado em variados formatos.
O mais representativo é o brioche à tête (brioche de cabeça), em clara alusão ao destino cruel de Maria Antonieta. Para completar, lembra uma coroa real. Há também o brioche couronne, redondo e oco no centro, como uma rosca; o Nanterre, nome de uma cidade na região metropolitana de Paris, em formato retangular; o mousseline, cilíndrico, feito em tubo de metal; e ainda diversas modalidades regionais.
O brioche à tête se compõe de duas bolas superpostas, uma bem maior embaixo, outra pequena em cima, “coladas” pelo calor do forno. É consumido sozinho, com manteiga, mel, geleia, marmelada. Harmoniza-se ao chá ou café. Os ingleses o assimilaram. Saboreiam-no durante o chá das cinco. Já os demais formatos servem de base para doces, acompanham o foie gras ou carnes. O pain perdu, variação francesa da rabanada luso-brasileira, preparado com fatias de brioche Nanterre, é uma delícia.
Mas a receita que conviria lembrar Maria Antonieta é a sopa de galinha com vermicelli (um tipo de spaghetti). A rainha condenada tomou apenas algumas colheradas do seu caldo, na escura e úmida prisão da Conciergerie, em Paris, às vésperas da execução. O estado de tensão não a deixou tocar nos pedaços de carne da galinha, nem na massa. A sopa lhe foi servida por Rosalie Lamorlière, a criada que cuidou dela às vésperas da morte.
Em compensação, os juízes que a sentenciaram celebraram sua execução com um banquete servido em um restaurante de Paris. Empanturraram-se de foie gras e perdizes em escabeche, passarinhos fritos (doze por pessoa) e carnes em molhos opulentos, além de beberem champagne à vontade. Muitos franceses entenderam o recado da comemoração macabra: os líderes do novo regime demonstravam a mesma indiferença humana dos governantes da monarquia guilhotinada.
Graças à lenda, o brioche acabou identificado com a bela e fútil mulher de Luís XVI, homem retraído e fraco, pelo qual ela jamais se apaixonou e a quem não permaneceu fiel no casamento, mas ao qual deu quatro filhos. No início, o povo francês simpatizou com a soberana vinda da Áustria. Mais tarde, porém, quando Maria Antonieta se opôs às reformas econômicas e sociais que o país necessitava, influenciando desastrosamente o marido, caiu em desgraça.
Comer bem era um dos poucos interesses que a uniam a Luís XVI. O casal demonstrava essa parceria nas refeições públicas – e era imitado pela nobreza. Desse modo, ajudou a difundir a cozinha francesa, cujas bases haviam sido lançadas por Guillaume Tirel, o Taillevent, François Pierre La Varennee Fritz Karl Vatel. No dia a dia, porém, a rainha cuidava da silhueta. Seu desjejum habitual consistia em chocolate quente ou café, tomado durante o banho de água e espuma. À tarde, preferia biscoitos com chá. O calórico brioche certamente não participava do cardápio. No jantar, ingeria um leve caldo de galinha no qual boiava uma asa da ave.
A difusão da alta cozinha francesa, entretanto, começou depois da execução de Maria Antonieta. Embora a Revolução Francesa não tivesse a gastronomia como bandeira, sua popularização ocorreu emconseqüência da rebelião popular. Os grandes cozinheiros que trabalhavam nos palácios da nobreza, desempregados pela execução dos patrões ou fuga deles para o exterior, abriram restaurantes e confeitarias.
Maneille, Barthélemy e Simon, ex-empregados do Príncipe de Conti, por exemplo, inauguraram na cidade de Paris o famosíssimo Les Frères Provençaux, especializado em bouillabaisse – a sopa de peixes e frutos do mar de Marselha. Onde entra o brioche nessa história? O “pão de Maria Antonieta”, como também o chamam, foi democratizado, as pessoas comuns se apaixonaram por ele, associando-o para sempre ao ocaso infeliz da rainha da França.
RECEITA
BRIOCHE À TÊTE (*)
Rende cerca de 10 unidades de 40g cada
INGREDIENTES
- 50g de açúcar
- 1 envelope de fermento seco
- 370g de farinha de trigo peneirada
- 110g de manteiga em temperatura ambiente
- 100ml de leite ligeiramente morno
- 2 ovos
- 1 pitada de sal
- Açúcar cristal para polvilhar ( opcional)
- Manteiga para untar
- Mistura de gemas com um pouco de água para pincelar os brioches
PREPARO
1. Em um recipiente, misture o açúcar com o fermento.
2. Na tigela de uma batedeira potente, com gancho de panificação, coloque a farinha de trigo e faça um vão no meio. Ali junte a manteiga, o leite ligeiramente morno e a mistura de fermento com açúcar. Aguarde 10 minutos, para dar continuidade à receita. 3.Passado esse tempo, ligue a batedeira, acrescente os ovos um a um e por último, junte o sal. Bata até os ingredientes ficarem bem incorporados. Cubra com um pano seco e limpo e deixe crescer por 1 hora, num local livre de correntes de ar.
4. Leve a massa á geladeira, coberta com o pano, por cerca de 6 horas ou de um dia para o outro. Retire da geladeira, separe a massa em pedaços, molde rolinhos e corte-os em porções de 40g. Dê formato de bolas (tipo de pingue-pongue) às porções. Faça também pequenas bolinhas (de 5g) para colocar na cabeça dos brioches.
5. Disponha as bolas de massa em fôrmas (tipo de empada) untadas com manteiga. Faça uma depressão no centro, com o dedo, e ali vá colocando as bolinhas de massa. Aperte em volta para selar e pincele com a mistura de gemas e água, para dar uma cor dourada aos brioches.
6. Se quiser, polvilhe com açúcar cristal e leve ao forno médio, preaquecido a 180°C, por cerca de 20 minutos. Espere uns 20 minutos para desenformar.
• Receita da chefe consultora gastronômica Lucia Sequerra, de São Paulo, SP, tel.: (11) 99148-5933, com base na que o chef Joël Robuchon prepara na França.