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Por Diogo Sponchiato
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‘Colapsologia’: o estudo das catástrofes ambientais que já testemunhamos

Chega ao Brasil o livro 'Como Tudo Pode Desmoronar', ensaio sobre a crise climática em curso que popularizou o estudo das catástrofes. Leia trecho

Por Pablo Servigne e Raphaël Stevens (tradução: Newton Cunha)*
Atualizado em 2 abr 2024, 14h29 - Publicado em 2 abr 2024, 14h27

Crises, catástrofes, devastações, declínio… O apocalipse é lido nas filigranas das notícias cotidianas do mundo. Enquanto certas catástrofes são bem reais e alimentam a carência de atualidades dos jornais, impressos ou televisivos – como os acidentes aéreos, furacões, inundações, declínio das abelhas, quedas nas bolsas ou guerras –, é justificável insinuar que nossa sociedade “vai de encontro ao muro”, anunciar uma “crise planetária global” ou constatar uma “sexta extinção em massa de espécies”?

Tornou-se paradoxal observar essa explosão midiática de catástrofes, mas não poder falar explicitamente das grandes catástrofes sem deixar de ser “catastrofista”! Todo o mundo soube,por exemplo, que o IPCC/GIEC havia publicado um novo relatório sobre a evolução do clima em 2014, mas viu-se um debate real sobre esses novos cenários climáticos e suas implicações em termos de mudanças sociais? Evidentemente, não. Muito “catastrofista”.

Talvez estejamos cansados de más notícias. Além disso, não houve sempre ameaças de fim de mundo? Considerar o futuro sob o pior aspecto não seria um fenômeno narcísico tipicamente europeu ou ocidental? Não seria o catastrofismo um novo ópio do povo, destilado por aiatolás ecológicos e cientistas em busca de financiamento?

Ao contrário, talvez não saibamos falar das catástrofes verdadeiras, daquelas que duram e não correspondem ao ritmo da atualidade. Pois, é preciso constatá-lo, estamos confrontados a sérios problemas ambientais, energéticos, climáticos, geopolíticos, sociais e econômicos que atualmente já romperam o ponto de não retorno. Poucas pessoas o dizem, mas tais problemas estão interconectados, e por isso se influenciam e se retroalimentam.

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Possuímos hoje um imenso feixe de provas e de indícios indicando que estamos face a instabilidades sistêmicas crescentes que ameaçam seriamente a capacidade de certas populações – e mesmo a humanidade – de se conservar em um ambiente viável.

Não se trata do fim do mundo nem do apocalipse. Mas também não se trata de uma simples crise da qual se saia indene, nem de uma catástrofe localizada da qual nos esqueçamos após alguns meses, como um maremoto ou um ataque terrorista. Um colapso é “um processo ao fim do qual as necessidades de base (água, alimentação, energia, habitação etc.) não serão fornecidas e satisfeitas (a um custo razoável), entre a maior parte da população, por serviços legais”.

Trata-se, portanto, de um processo em grande escala, irreversível, como o fim do mundo, certamente, mas não é esse o caso. A sequência se anuncia longa e é preciso vivê-la com uma certeza: não temos os meios de saber do que ela será constituída. Ao contrário, se as nossas “necessidades de base” forem atingidas, então se imagina facilmente que a situação poderá se tornar incomensuravelmente catastrófica.

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Mas até onde? A quem concerne? Aos países mais pobres? À Europa? Ao conjunto dos países ricos? Ao mundo industrializado? À civilização ocidental? Ao conjunto da humanidade? Ou até mesmo, como certos cientistas anunciam, à grande maioria das espécies existentes? Não há respostas claras a essas indagações, mas uma coisa é certa: nenhuma daquelas possibilidades está excluída.

Como tudo pode desmoronar

como-tudo-pode-desmoronar

As crises pelas quais passamos dizem respeito a todas as categorias: por exemplo, o fim do petróleo concerne ao mundo industrializado (mas nem tanto às pequenas sociedades camponesas esquecidas pela mundialização); as mudanças climáticas, diferentemente, ameaçam toda a humanidade e uma boa parte das espécies viventes.

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As publicações científicas que consideram evoluções catastróficas globais e uma probabilidade crescente de colapso são cada vez mais numerosas e bem escoradas. Os relatórios da academia de ciências da Grã-Bretanha publicaram um artigo de Paul e Anne Ehrlich a esse respeito em 2013, deixando poucas dúvidas sobre os resultados. As consequências das mudanças ambientais planetárias consideradas plausíveis para a segunda metade do século XXI manifestam-se hoje concretamente, à luz de números cada vez mais convincentes e aflitivos.

O clima se transforma, a biodiversidade se arruína, a poluição se imiscui em toda a parte e se torna persistente, a economia corre o risco de paradas cardíacas a todo instante, as tensões sociais e geopolíticas se multiplicam etc. Já não é incomum ver os decisores de mais alto nível e os relatórios oficiais das maiores instituições (Banco Mundial, IPCC/GIEC, ONGs, ONU) evocarem a possibilidade de um colapso ou daquilo que o príncipe Charles chamou de “um ato de suicídio em grande escala.

De maneira abrangente, Antropoceno é o nome dado a esta nova época geológica que caracteriza o nosso presente. Os humanos
saíram do Holoceno, uma época de notável estabilidade climática que durou, aproximadamente, doze mil anos, o que permitiu o surgimento da agricultura e das civilizações.

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Após alguns decênios, os humanos tornaram-se capazes de perturbar os grandes ciclos biogeoquímicos do sistema-Terra, criando assim uma nova época de mudanças profundas e imprevisíveis. Esses dados e constatações são, porém, “frios”. No que isso interfere em nosso cotidiano?

Não há o sentimento de um enorme vazio a ser preenchido, um traço de união a ser feito entre essas grandes declarações científicas, rigorosas e globais, e a vida do dia a dia que se perde nos detalhes, na confusão dos imprevistos e no calor das emoções? É justamente esse vazio que o livro procura preencher. Fazer a ligação entre o Antropoceno e o seu estômago.

Para isso, escolhemos a noção de colapso, pois ela nos permite jogar em diversos tabuleiros, quer dizer, tratar seja das taxas de declínio da biodiversidade, seja das emoções ligadas às catástrofes ou ainda dos riscos de fome. É uma noção que combina tanto com o imaginário cinematográfico largamente compartilhado (quem não visualiza Mel Gibson no deserto armado com um fuzil?) quanto com relatórios científicos restritos; que permite abordar diferentes temporalidades (da urgência cotidiana ao tempo geológico), indo-se facilmente do passado ao presente; ou que permite fazer a ligação entre a crise social e econômica grega e o desaparecimento massivo de insetos e de pássaros na China ou na Europa.

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Em resumo, é essa noção que torna viva e tangível a de Antropoceno.

* Pablo Servigne e Raphaël Stevens são autores de Como Tudo Pode Desmoronar – Pequeno Manual de Colapsologia para Uso das Gerações Presentes, publicado pela Editora Perspectiva

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