Estresse crônico da pandemia impacta as funções cerebrais
'Cérebro pandêmico' foi o termo usado por cientistas para definir os efeitos do estresse crônico decorrente da Covid-19
A pandemia da Covid-19 tem nos submetido a situações de estresse que talvez não tenham paralelo na história em tempos de paz. Seja o medo de contrair a doença, a pressão de lidar com o risco de desemprego, a dor de ter perdido alguém próximo para a doença ou alguma outra razão, a incerteza, tudo isso vai deixar traços em nossos cérebros, tal como um ferimento profundo deixa cicatrizes. Se serão permanentes ou não, novos estudos e pesquisas ainda vão revelar. Mas alguns sintomas têm se mostrado persistentes, e isso levou ao surgimento do termo “cérebro pandêmico”.
Não se trata de um termo clínico: o nome circula entre cientistas e na imprensa em geral para abarcar o conjunto de males que tem afetado o cérebro em razão do estresse causado pela pandemia. O efeito mais evidente tem sido o prejuízo à capacidade de concentração e à memória. A sucessão de relaxamentos e endurecimento das regras de isolamento social vistas em alguns países prolongam o estresse, e isso libera um hormônio chamado cortisol, também conhecido como hormônio do estresse. Uma pesquisa da Universidade de Cambridge (Reino Unido) mostra uma associação de níveis prolongados e elevados de cortisol e mudanças no volume de áreas do cérebro responsáveis pela memória e pelo controle das emoções.
Outra pesquisa, esta publicada na revista Neurology, mostrou que altos níveis de cortisol estão associados a essas reduções de volume em regiões do cérebro e também à memória e percepção visual piores. Essas modificações também variam conforme o grau do estresse a que alguém está submetido.
Os problemas cognitivos causados pela pandemia, durem o tempo que durarem, certamente são prejudiciais a todos, tanto em contextos pessoais como profissionais. As perdas para os estudantes ainda terão de ser mensuradas, mas os danos causados pelo isolamento prolongado ou para quem se recupera da doença em si cobrarão um preço alto das gerações futuras.
Até a chegada das vacinas, a adoção de regras de isolamento variou de muito rígida em alguns países a praticamente inexistentes em outros. Muitos sequer as implementaram. A circulação de pessoas também foi mais ou menos intensa a depender do país – e isso teve seu peso em termos de saúde mental sobre a população global. Conviver com a incerteza se ainda haverá novas ondas da Covid-19 gera medo. Alguns lugares que pareciam ter subjugado a pandemia, como Israel e mesmo os EUA (que ainda lideram em números de óbitos – já são 674 mil no país), tiveram de recolocar algumas restrições em vigor.
Há também os efeitos sobre a economia, já bastante agudos – como os sentidos sobre a atividade industrial, mesmo sobre a inflação, e ainda não se sabe que impacto haverá sobre a criação de empregos, no Brasil e no mundo. Mesmo com os avanços obtidos em termos de vacinação e retomada da atividade econômica, as expectativas de recuperação variam, o que acentua ainda mais as dúvidas sobre renda e trabalho. Toda essa incerteza é campo fértil para o estresse – e, portanto, para o avanço do cérebro pandêmico.
O que já se sabe, é que as condições do cérebro pandêmico não são necessariamente irreversíveis. Ao longo da pandemia precisamos redefinir hábitos e criar rotinas – como horários de dormir e acordar, de fazer as refeições, de praticar atividades físicas. Tudo isso ajuda a resistir aos efeitos do esgotamento. Praticar jogos que exijam raciocínio e uso da memória, começar a estudar (um novo idioma, ou música, por exemplo), atividades como essas podem contribuir para que mantenhamos o foco. Alguns casos, claro, exigirão acompanhamento de especialistas. Mas rotina saudável e manter o cérebro em atividade são duas ferramentas bastante eficientes para cuidar da saúde mental.