Não dá para Lula ser ‘o cara’ sem enxergar o que está na sua frente
Presidente brasileiro colhe desgaste ao menosprezar o cenário político na América Latina
A ansiedade em se apresentar novamente como um grande líder internacional, aquele que era chamado de “o cara” por Barack Obama, parece ter produzido o pior resultado possível para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta semana. Lula convidou Nicolás Maduro ao Brasil, para reatar a relação diplomática com a Venezuela. E convocou líderes latino-americanos para colocar novamente na mesa o debate sobre a integração regional. Seria um bom plano, não fosse o óbvio.
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Um presidente da República não pode se dar o luxo de ignorar a tensão política que cerca esse assunto. Não dá para rasgar elogios a Nicolás Maduro e esperar que todos os demais chefes de Estado presentes irão concordar. Nem dá para se apresentar como grande salvador da democracia no Brasil e, ao mesmo tempo, passar pano para o autoritarismo vizinho. Lula poderia ter trabalhado a necessária retomada das relações com a Venezuela sem esses tiros no pé. Só que, mesmo sob críticas de seus pares, ele resolveu dobrar a aposta.
Ontem, Lula fez um malabarismo para defender mais uma vez Nicolás Maduro. Voltou a falar no líder venezuelano como vítima de uma “narrativa” fictícia. Chegou a ponto de comparar sua prisão na Operação Lava-Jato à situação vivida por Maduro na Venezuela. Vitimizou também Hugo Chávez. Todo mundo vítima de “narrativas”. Jogou referências a Jair Bolsonaro nessa sopa, para dar um gostinho de jogo eleitoral ao discurso.
Não bastasse ignorar as tensões que esse tema é capaz de atiçar, menosprezou-se também a tensão nos corredores. O encontro de líderes latino-americanos no Palácio do Itamaraty terminou em empurra-empurra. Foi parar no Jornal Nacional, uma vez que Delis Ortiz, referência do jornalismo político em Brasília, foi acertada com um soco no peito, segundo noticiado pela apresentadora Renata Vasconcelos.
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Maduro teve motivos para deixar o país cheio de sorrisos. Mas, salvo uma breve menção a uma moeda comum para a América Latina – o que ninguém ali enxerga como factível no atual momento -, não restou nada relevante nesse balanço que sirva aos interesses do Brasil.