As falas recentes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito do aborto jogam gasolina numa briga interna que já se instalou há tempos dentro da campanha petista ao Palácio do Planalto. Reforçado com críticas de Lula à classe média e a defesa de uma pressão sobre deputados, o discurso foi lamentado por colegas de partido do ex-presidente e acirrou os ânimos em relação ao grupo que hoje dá as cartas na comunicação da campanha.
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Se há um tema que tem respaldo majoritário no PT e em partidos de esquerda é o debate sobre a descriminalização do aborto e sobre a necessidade de o tema ser tratado como questão de saúde pública. Os petistas agora insatisfeitos não discordam de Lula. Até porque ele não defendeu o aborto, mas disse se tratar de uma questão de saúde pública. Os críticos no partido apenas acreditam que não é o momento de trazer esse tema para a campanha.
Para esse grupo, as declarações do ex-presidente não foram um escorregão. São a expressão de movimento calculado, pensado com o objetivo de afagar sua base histórica às vésperas do casamento com Geraldo Alckmin. O ex-governador paulista será formalmente indicado como vice de Lula amanhã, em uma reunião entre líderes do PT e do PSB. E Lula sabe que ainda tem gente no PT e na base do partido que torcem o nariz para o acordo.
Ontem, diante da repercussão negativa provocada pelas falas, líderes petistas jogavam a culpa na velha guarda do partido, que ganhou assento privilegiado no time de conselheiros de Lula. O alvo preferido de quem se queixa do rumo dado à campanha tem sido o ex-ministro Franklin Martins, escalado para liderar a comunicação. Mas sobram reclamações também sobre a turma apelidada dentro da legenda como a “República dos Compadres”, que reúne amigos de longa data de Lula.
“Isso tudo é um erro. Estão fazendo o contrário do que deveria ser feito neste momento. Os votos da esquerda já são do Lula, não é com esse pessoal que temos que conversar”, disse à coluna um líder do partido.
Essa avaliação de que há uma falha no rumo da campanha presidencial petista vem acompanhada do temor de entregar de bandeja um trunfo para o presidente Jair Bolsonaro. O PT sempre trabalhou pela polarização com o presidente, mas com o entendimento de que é preciso evitar que ele recupere fôlego rápido demais nessa etapa da disputa.
As pesquisas têm mostrado uma retomada progressiva do presidente. E o movimento de Lula nesta semana só deu a ele e à base bolsonarista mais munição. Se Bolsonaro crescer demais, todo o plano de polarizar a corrida com o presidente pode acabar se transformando em um grande tiro no pé.