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Por Andréia Peres
Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil
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O crescimento do número de famílias em situação de rua nas grandes cidades

Barracas feitas com lonas, papelão e sacos de lixo chamam a atenção para a gravidade desse cenário

Por Andréia Peres 16 jan 2024, 11h16

No começo dos anos 2000, escrevi uma reportagem sobre pessoas em situação de rua cujo título era “Gente invisível”. Na época, segundo os especialistas entrevistados, homens e mulheres nessa situação se “camuflavam”, escondiam-se embaixo de cobertores cinza, da mesma cor da calçada.

Hoje, a situação é bem diferente. “Eles deixaram de ser invisíveis”, diz a economista Silvia Schor, professora da FEA-USP, coordenadora do Centro de Estudos sobre População em Situação de Rua da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e uma das maiores especialistas brasileiras no assunto. “Agora, não dá mais para você não ver. A população em situação de rua vem crescendo a taxas positivas e não tão baixinhas assim”, afirma ela, em entrevista a esta coluna.

Há ainda um novo fenômeno no país que já vem sendo captado pelas pesquisas: o crescimento do número de famílias – e não apenas indivíduos sozinhos – que vivem nas ruas, em barracas feitas com lonas, sacos de lixo, papelão e pedaços de pau.

“Essas famílias [em situação de rua] já existiam, mas eram um número pequeno, insignificante. Atualmente, há lugares em que existem agrupamentos que formam pequenas comunidades”, afirma Schor. Segundo ela, o novo cenário é preocupante e demanda políticas públicas mais complexas e intersetoriais, envolvendo áreas como trabalho, educação, moradia, saúde e assistência social.

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Estima-se que um terço dessa população, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, migrou para as ruas depois da pandemia de covid-19. São trabalhadores que já estavam em situação precária antes da crise sanitária e que, com a pandemia, perderam sua rede de proteção social e foram morar nas ruas com os filhos.

Na cidade de São Paulo, o número de barracas nas ruas cresceu 330% em 2021 em relação a 2019, segundo o Censo da População em Situação de Rua mais recente. Enquanto no recenseamento anterior havia 2.051 pontos abordados com barracas improvisadas, em 2021 foram computados 6.778 pontos.

Cresceu também o número de entrevistados informando ter a companhia de alguma pessoa que considera da família no local em que foram abordados nas ruas. Enquanto, em 2019, 20% da população em situação de rua deu essa declaração, em 2021 o percentual subiu para 28,6%.

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Segundo Schor, tanto o número de barracas quanto a companhia de familiares são “indicações importantes” do aumento de famílias nessa situação, assim como o número de crianças de até 6 anos na rua.

De acordo com o Censo de Crianças e Adolescentes em Situação de Rua, de 2022, havia 1.151 meninos e meninas de até 6 anos vivendo nas ruas na cidade de São Paulo, cerca de um terço da população em situação de rua com até 17 anos.

Publicado em agosto de 2023, o relatório População em situação de rua traz um diagnóstico da situação no país com base nos dados e nas informações disponíveis em registros administrativos e sistemas do governo federal.

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Segundo a publicação, em 2022 havia 236.400 pessoas em situação de rua inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais. Ou seja, uma em cada mil pessoas no Brasil estava vivendo em situação de rua. São Paulo concentra a maior população, com 95.195 pessoas (40% do total).

As pessoas em situação de rua cadastradas no país são em sua maioria do sexo masculino (87%), adultas (55% têm entre 30 e 49 anos) e negras (68%). A maior parte delas sabe ler e escrever (90%) e já teve emprego com carteira assinada (68%). É alto, também, o percentual de pessoas com deficiência em situação de rua (15%).

Apesar de as mulheres representarem apenas 13% do total de pessoas vivendo nas ruas, chama a atenção o fato de que elas foram vítimas de quase a metade (40%) dos casos de violência notificados em 2022.

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Os principais motivos apontados para a situação de rua foram os problemas familiares (44%), seguido do desemprego (39%) e do alcoolismo e/ou uso de drogas (29%).

Para Silvia Schor, isso acontece porque o que fica aparente são as condições individuais. “Se você perguntar para uma pessoa o que aconteceu para ela estar na rua, ela vai contar a sua história. Não vai contar na teoria, nem fazer avaliações do que aconteceu com o PIB”, diz ela, que considera fundamental identificar outras condições associadas, como o crescimento do mercado informal, a precarização do trabalho e a perda de renda familiar. “Por que as famílias em situação de rua aumentaram tanto?”, questiona.

CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RUA DEVEM SER PRIORIDADE

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Não há dúvida entre os pesquisadores de que é urgente responder a essa pergunta, assim como formular políticas públicas para essa área, especialmente para as crianças e os adolescentes.

“Essas crianças vão se socializar na rua. Não é porque estão com a família que estarão mais protegidas. Depois que isso acontece, é mais difícil, trabalhoso e caro para desfazer”, avalia Schor. “Criança é criança. E os problemas e as questões associadas à presença de crianças e adolescentes na rua exigem um conjunto de políticas de atenção e encaminhamentos diferente de quem está há cinco ou dez anos na rua e tem entre 40 e 50 anos”, diz ela.

Uma coisa é certa: não dá mais para ignorar esse cenário e fingir que não é problema nosso. As famílias em situação de rua existem, são cada dia mais visíveis e demandam respostas do poder público e da sociedade civil.

* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

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