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Por Andréia Peres
Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil
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Mudanças climáticas aprofundam as desigualdades no Brasil

Idosos, mulheres, pardos, pretos e população de baixa escolaridade são as principais vítimas de aumentos bruscos de temperatura

Por Andréia Peres 12 mar 2024, 10h03

“Os eventos climáticos extremos não são nada democráticos”, resume logo de início o físico e pesquisador Djacinto Monteiro dos Santos, em entrevista a esta coluna. Djacinto liderou um estudo como parte de sua pesquisa de pós-doutorado no Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que identificou uma maior vulnerabilidade de idosos, mulheres, pretos e pardos e pessoas com baixa escolaridade a ondas de calor.

Entre 2000 e 2018, cerca de 48 mil brasileiros, das 14 principais regiões metropolitanas do país, morreram por efeito de bruscos aumentos de temperatura. Os dados, publicados no final de janeiro deste ano no periódico científico Plos One, foram compilados por 12 pesquisadores de sete universidades e instituições brasileiras e portuguesas, como a Universidade de Lisboa e a Fundação Oswaldo Cruz, a partir da análise de mais de 9 milhões de registros de óbitos de períodos em que esses fenômenos ocorreram.

Segundo o estudo, intitulado Desigualdades demográficas e sociais do século XXI em termos de mortes relacionadas ao calor nas áreas urbanas brasileiras (tradução livre), as principais vítimas desses fenômenos são as pessoas que vivem nas regiões periféricas, em condições mais precárias de moradia, com menos acesso a recursos de adaptação e também ao sistema de saúde.

 “Essas desigualdades se integram e são amplificadas pelas mudanças climáticas”, observa o pesquisador, ao ressaltar que o debate sobre racismo ambiental está emergindo com força no Brasil. Afinal, não há como discutir adaptação ou mitigação das mudanças climáticas sem abordar a questão do racismo ambiental e da justiça social no país.

Os fatos dão razão a ele. As condições urbanas são muito diferentes dependendo da região da cidade. Além de estar mais próxima do mar e de ser uma região mais ventilada, a Zona Sul do Rio de Janeiro, por exemplo, tem mais áreas verdes, as casas são maiores e as pessoas têm mais espaço para circular dentro de suas casas, enquanto nas regiões periféricas – não só no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil – há uma alta densidade populacional, muita gente morando numa área muito pequena. As áreas verdes, que de certa maneira mitigam o efeito das ilhas de calor urbano, também são comprometidas. “Quando a sensação térmica é de 45 graus na Zona Sul do Rio de Janeiro, em Bangu, na Zona Oeste, é de 58 graus”, exemplifica.

QUEM NÃO ESTÁ SENDO AFETADO HOJE, VAI SER AFETADO AMANHÃ

As regiões periféricas são ainda mais vulneráveis à escassez hídrica e a problemas de energia, além de serem mais susceptíveis ao que Djacinto chama de “eventos climáticos em cascata”. Ou seja, uma onda de calor é, frequentemente, acompanhada de chuvas e temporais. Também é associada a secas e incêndios florestais, como os que aconteceram recentemente no Chile, e a episódios de piora da qualidade do ar, o que consequentemente afeta a qualidade de vida das pessoas.

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“Quem não está sendo afetado hoje, vai ser afetado amanhã”, prevê Djacinto. É que as ondas de calor que estamos enfrentando agora certamente vão aumentar em número, frequência e intensidade.  A tendência, segundo ele, é que, cada vez, mais os verões e invernos sejam mais quentes e as ondas de calor mais frequentes.

A América Latina toda vem sofrendo com esse aumento de temperatura e a única maneira de reduzi-lo é limitar o aquecimento global a 1,5 ºC, meta que, segundo o pesquisador, está ficando cada vez mais difícil de alcançar.

Apesar da urgência, o aquecimento global ainda é negligenciado pelas políticas públicas, avalia Djacinto.  Além de reduzir as emissões de gases do efeito estufa que, no Brasil, são muito associadas com o desmatamento, é importante investir em energias renováveis, como a solar e a eólica, conscientizar a população sobre os riscos que o calor representa e investir em infraestrutura, enumera o pesquisador. Os sistemas de transporte público devem estar adaptados às altas temperaturas e mesmo o sistema de saúde precisa de protocolos de enfrentamento às ondas de calor, que também aumentam a demanda do setor.

A pesquisa deixa claro que, daqui para frente, as políticas públicas para o enfrentamento às mudanças climáticas também precisam ser muito mais transversais, visando a redução das desigualdades. Nesse sentido, é fundamental combater o racismo ambiental e promover a justiça social, além de envolver diferentes setores, ministérios e níveis de governo.

O PAPEL DA FILANTROPIA BRASILEIRA

Enquanto isso não acontece, a filantropia brasileira tem tomado a dianteira nessa causa. Apesar de Educação continuar mobilizando a maior parte dos 4,8 bilhões de reais (42% do total) investidos em ações filantrópicas de impacto social, o grupo chamado “ambiente natural e sustentabilidade” já ocupa a 8ª posição no ranking do último Censo Gife (2022/2023) e “ambiente urbano e sustentabilidade”, a 13ª.

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“Temos tido uma filantropia brasileira mais preocupada e conectada com os temas ambientais”, observa Cassio França, secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), em entrevista a esta coluna.

O Brasil é o primeiro país do Sul Global a ter um compromisso nacional com esse tema, o Compromisso Brasileiro da Filantropia sobre Mudanças Climáticas. Segundo Cassio, um dos principais méritos do compromisso é agregar fundações e institutos diversos a causa ambiental. Ou seja, trazer o tema climático para a pauta, possibilitando conexões de áreas como educação e saúde, por exemplo, com essa agenda.

Pela primeira vez, a filantropia também terá um espaço formal num grupo de trabalho do G20, principal fórum de cooperação econômica internacional. Para Cassio, essa é uma oportunidade de contribuir ainda mais para pensar o país e um modelo de desenvolvimento sustentável, mais justo e equânime, que leve em conta essa agenda ambiental.

Há muito tempo as mudanças climáticas deixaram de ser uma ameaça para se tornarem uma realidade cada vez mais presente e urgente. Para enfrentá-las, precisamos encarar a pobreza, o racismo e as desigualdades sociais entendendo que é tudo parte do mesmo problema.

* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

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