Com a chegada de Xi Jinping ao comando do poder na China há quatro anos, o país operava sua terceira reinvenção desde a Revolução Maoísta de 1949. Tal evolução ganhou grande relevo nesta semana, com o mandatário chinês liderando reunião em que quase 70 países se fizeram representar num fórum em Pequim sobre a nova rota da seda projetada pelos chineses —o projeto “One Belt, One Road” (ou “Obor”).
No todo, o Obor é o maior projeto de fomento infraestrutural que o mundo já viu desde o Plano Marshall. Ele não apenas consolida a China como superpotência econômica, mas também reforça o epicentro chinês como dínamo da ascensão asiática. Na primeira reinvenção chinesa nada havia de perceptível da superpotência em que o país se transformaria.
Com Mao Tsé-tung no poder, a China buscou eliminar vestígios das dinastias imperiais e adotar o regime comunista e seus traços característicos: coletivização da propriedade e trabalho no campo. Estatização dos meios de produção e asfixia da iniciativa privada. Xenofobia econômico-ideológica rumo à autarquia em seu estágio mais insular. Metas estipuladas por burocratas comissários, crença na infalibilidade do Grande Timoneiro Mao e a formação do “novo homem” da Revolução Cultural produziram milhões de mortos e dissidentes —e uma economia esquálida.
A segunda reinvenção, liderada por Deng Xiaoping desde 1978, valeu-se da disposição dos EUA, no contexto da Guerra Fria, em oferecer recompensas pontuais a Pequim pelo distanciamento em relação a Moscou. A China passou então a gozar desde 1979 do status de “nação mais favorecida” em seu comércio com os EUA. Reinventou-se, assim, como país que dispunha de acesso privilegiado aos grandes mercados compradores do mundo. Pequim elaborou de forma pioneira um regime de parcerias com empresas estrangeiras de modo a incentivar o capital que se estabelecia na China a também investir em infraestrutura.
Os chineses mantiveram câmbio e custos de produção artificialmente subvalorizados e exerceram agressiva diplomacia empresarial. Com esse modelo de nação-comerciante, a “globalização profunda” dos últimos 30 anos arremessou a China à posição de segunda maior economia do planeta.
A terceira reinvenção, contemporânea à chegada de Xi ao poder em Pequim e ao desenrolar do projeto Obor, tem se dado por razões externas e internas. As que vêm de fora: a crescente resistência de mercados externos — sobretudo EUA e Europa — à continuação de uma grande receita exportadora por parte da China. Além do que, num mundo em que empregos parecem mais importantes que lucros, a ênfase dada à noção de conteúdo local por parte de americanos e europeus diminui a porosidade desses mercados aos produtos “Made in China“.
As que vêm de dentro: as próprias políticas contracíclicas adotadas por Pequim conduziram a um quadro em que os chineses têm salários mais altos —consomem mais; poupam e investem menos. No limite, trata-se de reinvenção com vistas a um modelo em que a China crescerá menos — mas talvez melhor. O fato é que a maciça acumulação de excedentes por parte do governo e das empresas chinesas permite ao país uma escalada nos investimentos em infraestrutura na sua esfera de influência geoeconômica e em ciência e tecnologia.
Esta terceira reinvenção chinesa tem na ideia de inovação endógena e na infraestrutura na Eurásia suas palavras de ordem. Não é de surpreender, assim, como a China tem multiplicado exponencialmente patentes geradas a cada ano. Resta saber se, ao lado do Obor, a almejada inovação em série poderá continuar a florescer de uma sociedade em que, apesar de inegáveis conquistas que conduziram ao status de superpotência econômica, na política ainda se respiram rarefeitos ares democráticos.