“Eu assumo, ao apresentar os resultados do referendo a todos vocês, o mandato para que a Catalunha se torne um Estado independente em forma de República (…) E, com a mesma solenidade, o governo da Catalunha e eu mesmo propomos que o Parlamento suspenda os efeitos da declaração de independência.” Foi com essas afirmações contraditórias que o presidente catalão Carles Puigdemont anunciou na terça-feira 10 que adiaria a independência da região (que faz parte da Espanha), por algumas semanas, frustrando os cidadãos que se preparavam para festejar a separação.
Puigdemont, líder da coalizão Junts pel Sí (“Juntos pelo Sim”), não deu sinais de que pretende voltar atrás, mas também sabe que não pode ir adiante. O primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy reclamou da confusão e ameaçou aplicar o artigo 155 da Constituição, que, uma vez endossado pelo Senado, permitiria dissolver o governo catalão e convocar novas eleições regionais, se Puigdemont não respondesse à intimação em 48 horas. Mas o caso ficou na ameaça.
Outro motivo por trás da indefinição de Puigdemont, um ex-jornalista formado em filosofia, é que, mesmo dentro da Catalunha, seu apoio não é tão grande. No referendo de 1º de outubro, em que venceu o “sim” à independência, 58% dos eleitores não foram votar — em sua maioria, justamente quem é contra a cisão. É bem verdade que não votaram porque não quiseram. Mas, no domingo 8, mais de 350 000 pessoas saíram às ruas de Barcelona para se declarar contra a independência. Um dos que discursaram em público foi o escritor peruano Mario Vargas Llosa, que em 1993 ganhou nacionalidade espanhola quando andava às turras com o então presidente Alberto Fujimori, hoje preso. “A paixão pode ser perigosa quando é movida pelo fanatismo e pelo racismo. A pior de todas as paixões é o nacionalismo”, disse o Nobel de Literatura, entre aplausos da multidão.
Há disputas até mesmo dentro da base aliada de Puigdemont. “Ele tentou manter unido seu grupo, algo que seria difícil caso tivesse optado por uma declaração unilateral. Entre os independentistas, alguns consideram que é necessário chegar até o fim sem levar em conta as consequências (como o partido CUP). Outros, porém, consideram que a declaração unilateral obrigaria a Catalunha a pagar um preço muito alto, política e economicamente”, diz Oriol Bartomeus, cientista político espanhol da Universidade Autônoma de Barcelona.
No mundo corporativo, a resistência também é grande, já que as empresas são refratárias a riscos desnecessários. Cerca de 700 companhias já deixaram a região desde 2015, ano em que a coalizão de Puigdemont chegou ao poder. Entre elas está o Grupo Editorial Planeta, que se mudou para Madri, e vários bancos, que não querem perder o suporte financeiro do Banco Central Europeu. “O que está quebrando a espinha dorsal da coalizão separatista não é o governo em Madri nem as demonstrações das massas no domingo contra a independência em Barcelona, mas sim a comunidade empresarial catalã, que é majoritariamente contra”, diz Omar Encarnación, professor de estudos ibéricos da Universidade Bard, nos Estados Unidos. Dificilmente Puigdemont poderá entregar o que prometeu. “Uma Catalunha independente até seria viável, o problema é o enorme custo de transição que os catalães e o resto dos espanhóis teriam de suportar para isso acontecer”, diz o economista espanhol Antonio Zabalza.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2017, edição nº 2552