Insensíveis à crise orçamentária do Estado e insaciáveis na tentativa de aumentar salários e multiplicar penduricalhos à custa dos contribuintes, vários tribunais não estão medindo esforços para criar novos penduricalhos. A ideia é repor as perdas financeiras causadas em seus holerites pela recente decisão do Supremo Tribunal Federal de suspender o pagamento indiscriminado do auxílio-moradia a toda a magistratura, limitando-o apenas aos juízes que tiverem de atuar fora da comarca de origem e que não têm casa própria no local ou residência oficial à disposição.
Uma dessas cortes é o Tribunal de Justiça do Maranhão, cujos juízes e desembargadores foram autorizados pelo corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins, que também é ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a receber R$ 3.546 por mês, a título de auxílio-alimentação. Esse penduricalho foi criado por lei estadual aprovada há 11 anos pela Assembleia Legislativa, com o valor de R$ 726 mensais. Apesar da imoralidade do benefício, a corporação justificou o aumento de quase 500% em nome do princípio da isonomia, uma vez que os promotores e procuradores do Ministério Público estadual já vinham recebendo R$ 3.546 de auxílio-alimentação.
O antecessor de Humberto Martins na chefia da Corregedoria Nacional de Justiça, ministro João Otávio Noronha, havia vetado esse aumento, mantendo-o em R$ 726. Todavia, sob a justificativa de que a Corregedoria Nacional de Justiça não pode interferir na autonomia administrativa e financeira dos tribunais, Martins autorizou sua elevação. Independentemente das limitações orçamentárias da corte, os beneficiários querem que os novos valores comecem a ser pagos em janeiro. A estimativa é de que o aumento custará cerca de R$ 11 milhões por ano para os contribuintes maranhenses.
Na mesma semana e na mesma linha do Tribunal de Justiça do Maranhão, o Tribunal de Justiça do Estado do Acre fixou o valor do auxílio-alimentação de seus juízes e desembargadores em 10% de seus vencimentos.
Outra corte envolvida na criação de penduricalhos é o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, cujos membros pressionaram a Assembleia Legislativa a aprovar projeto que instituiu o auxílio-transporte no valor de até R$ 7,2 mil. Esse valor equivale a 20% dos vencimentos da magistratura estadual. Como a lei ainda precisa ser sancionada, os juízes e desembargadores de Mato Grosso do Sul agora estão pressionando o governador Reinaldo Azambuja, que foi reeleito no pleito de outubro. Pelo preço da gasolina no Estado, se Azambuja ceder, cada magistrado poderá comprar cerca de 10,5 mil litros por mês. Esse auxílio é tão absurdo que o presidente do CNJ, ministro Dias Toffoli, determinou a abertura de um procedimento para apurar o caso e anunciou que não permitirá sua concessão.
Além de seu pagamento ser imoral, o auxílio-alimentação e o auxílio-transporte dão margem a outro expediente que vem sendo usado em larga escala pela magistratura para aumentar seus vencimentos líquidos. Alegando que esses dois penduricalhos têm o que chamam de “natureza indenizatória”, não constituindo remuneração e sendo pagos sob a justificativa de que são essenciais às “condições funcionais de trabalho” de juízes e desembargadores, seus valores não são levados em conta nem para o cálculo do Imposto de Renda nem para o cálculo do teto do funcionalismo público. Ou seja, os magistrados que juraram cumprir a Constituição quando entraram para o Poder Judiciário recorrem a subterfúgios para contornar as determinações desse texto legal e não terem, desse modo, de arcar com as obrigações que atingem todos os cidadãos prestantes do País. Por meio de suas associações corporativas, a magistratura – que sempre esteve entre as categorias mais bem remuneradas da administração pública – justifica seus privilégios em nome da “dignidade do cargo”. O argumento é risível, pois quanto mais a corporação é beneficiada por penduricalhos, menor é sua autoridade moral e mais comprometida é sua credibilidade.