Cristovam Buarque: O Congresso se divorciou da população
Entre outros assuntos, o entrevistado tratou da crise política que tem no Congresso um dos protagonistas
O convidado do Roda Viva desta segunda-feira foi o senador Cristovam Buarque. Nascido na capital de Pernambuco, ele cursou engenharia mecânica na Escola de Engenharia do Recife e tornou-se doutor em Economia na Sorbonne, em Paris, para onde se mudara depois da decretação do AI-5. Governador do Distrito Federal de 1995 a 1999, foi ministro da Educação do primeiro governo Lula durante pouco mais de um ano. Eleito senador pela primeira vez em 2003, exerce atualmente o segundo mandato e é uma das mais importantes figuras da oposição ao governo federal. Confira trechos da entrevista:
“Há vários políticos honestos e honrados no Congresso, mas hoje aparecem muito mais aqueles que estão envolvidos em escândalos de corrupção. O que faltam são bandeiras, porque são elas que justificam fazer politica. Não vale apenas a luta pela moralidade. Isso é pré-condição, não bandeira. Se fosse só para defender a moralidade, bastariam a Justiça e a polícia”.
“Sou a favor das reformas. As leis trabalhistas são de uma época em que não havia elevador elétrico. Alguns argumentam o que o trabalhador não sabe dizer se é melhor para ele ter meia hora de almoço e ganhar meia hora no fim do dia. É uma visão escravocrata. O brasileiro tem sim condições de negociar com o patrão”.
“Quero que a escola do filho do pobre tenha a mesma qualidade que a do filho do rico. Isso é um pensamento de esquerda. Não quero que seja igual, porque é preciso haver liberdade, mas tem que ter a mesma qualidade. A questão não é mais lutar pela igualdade de renda, mas pela qualidade igual para todos”.
“Nunca houve por parte do governo Lula um investimento na educação de base. O que dá voto é a universidade e foi nisso que eles investiram”.
“As pessoas só vão para rua quando, além de serem contra alguma coisa, são a favor de outra. A política mudou. Hoje, se faz política também pela internet e ela está muito mobilizada. A ágora hoje é a internet. Mas tenho a impressão que se surgir uma ideia nova, esse povo que está nas ruas virtuais com certeza vai para as ruas físicas”.
“Quem me chama de golpista é ex-esquerda. São aqueles que não viram que o mundo mudou. Estão discutindo entre táxi e uber quando já existe carro sem motoristas. Estão discutindo uma hora de almoço quando as pessoas trabalham em casa. Meu voto é pelo golpe contra a corrupção, pela modernização do Estado e do conhecimento. Estou dando um golpe sim, mas no acomodamento, na falta de vigor transformador”.
“Manteria o voto pelo impeachment de Dilma Rousseff, até porque ele teve uma razão técnica. O que me arrependo é que o ele não foi completo, porque deveríamos ter tirado também o Temer”.
“Temos que ir em frente aconteça o que acontecer, blindando a economia e levando para frente as reformas. A economia tem que funcionar bem qualquer que seja o presidente. Não podemos ter medo das consequências da Lava Jato”.
“Do ponto de vista do preparo intelectual, o José Serra é o mais preparado da minha geração, Mas acho que, além de ter um pensamento um pouco atrasado, foi contaminado pelas delações, pela Lava Jato. Quanto ao Aécio, ele e o Senado cometeram um erro ao não seguir adiante com a investigação na Comissão de Ética. Não posso julgar, mas convenhamos que pedir R$ 2 milhões emprestados a um açougueiro é meio estranho. A gente pede dinheiro emprestado, quando tem que pedir, a um banqueiro – e publicamente”.
“O que me preocupa são os políticos jovens. Não quero que eles se salvem só da Lava Jato, quero que eles se salvem sintonizados com o futuro. Com aquilo que se chamava ‘o espírito do tempo’, para onde vai a história, como desamarrar o Brasil. Onde queremos chegar? Nós nos acostumamos a dizer que o Brasil precisa crescer. Não é mais crescer, é evoluir. Não é mais ser rico, é ser civilizado. Não é mais ter muitos bilionários, é não ter nenhum pobre. Não é mais ter cota para entrar na universidade, é todos disputarem igualmente uma vaga independentemente da renda do pai e do endereço onde mora”.
“Não existe hoje um arcabouço ideológico que nos une. Os partidos, que deveriam ser a casa das ideias, são meras siglas. Os políticos não convivem mais. A transmissão ao vivo pela TV Senado acabou com o diálogo. Falamos para o público. Não existem mais caciques, cardeais, que eram os políticos que uniam respeitabilidade e influência. Hoje há apenas aqueles que têm influência”.
“Se o partido decidir pelo meu nome estou disposto a ser candidato à Presidência em 2018”.
“Houve um divórcio entre o Congresso e a população. Aumentar o fundo partidário, por exemplo, é um crime. Defendo que o dinheiro do fundo seja usado inteiramente para a educação. Não tem sentido as campanhas brasileiras serem as mais caras do mundo. Elas devem ser financiada por quem simpatiza com o candidato. O Brasil pode fazer muita coisa gastando menos. Um bom prefeito não é aquele que gasta muito em educação, é o que diminui a taxa de analfabetismo”.
“Se houver uma eleição indireta, defendo que o eleito não seja de dentro do Congresso”.
“O Lula e o Bolsonaro aparecerem como líderes nas pesquisas de intenção de voto é a prova de que o Brasil tem vocação para o passado. É o populismo e o autoritarismo. Temos que olhar o futuro e enxergar o passado como história, não com apego”.
A bancada de entrevistadores reuniu os jornalistas Jefferson Del Rios, Débora Bergamasco (IstoÉ), Pedro Venceslau (Estadão), Thais Bilenky (Folha) e Thiago Uberreich (Jovem Pan). Com desenhos em tempo real do cartunista Paulo Caruso, o programa foi transmitido ao vivo pela TV Cultura.