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Casuísmo, não!

O impeachment de Dilma, a condução coercitiva, a condenação em segunda e a perda do passaporte de Lula ─ tudo isso passou em brancas nuvens, sem tempestades

Por José Nêumanne
Atualizado em 30 jul 2020, 20h35 - Publicado em 31 jan 2018, 12h52

Publicado no Blog do Nêumanne

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve negada pela oitava turma do Tribunal Federal Regional da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, sua apelação contra a condenação a nove anos e meio de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, lavrada pelo titular da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Sérgio Moro. Como a decisão do colegiado na segunda instância encerra a discussão do processo no âmbito dos fatos ─ ou seja, ele é considerado criminoso pela Justiça ─,  resta-lhe apenas apelar para as instâncias superiores em questões de Direito (contagem da pena, tipo de prisão, etc.). Torna-se inócua a discussão sobre o direito basilar do réu, a presunção da inocência. Além do mais, o ex-presidente petista torna-se inelegível por dispositivo da Lei da Ficha Limpa, que interdita a candidatura de condenados em segunda instância a mandatos políticos.

Como a política brasileira é um ambiente propício a adivinhações, profecias e que tais, contudo, discute-se muito mais o futuro incerto do condenado do que a decisão peremptória, tomada por três a zero, ou seja, unanimidade, na última discussão possível sobre o fato do crime. Agora, o debate corre por conta de duas consequências da confirmação da condenação. A que mais interessa é a da Ficha Limpa, posta em dúvida sobre os trâmites aos quais a defesa ainda pode recorrer para permitir registrar na Justiça Eleitoral a candidatura do eterno pretendente à Presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Ele também é considerado o único candidato viável de esquerda ao posto mais alto da hierarquia republicana. Outra questão que se introduz à discussão, mesmo diante do fato consumado, é a da eventualidade de o condenado vir a ser preso, ou melhor, ser dado início à execução de pena que lhe foi imposta.

Nestes interregnos entre apurações, a moda no Brasil são os levantamentos de opinião pública. O índice mais impressionante do último Datafolha, divulgado em dezembro do ano passado, é o que constata que mais da metade dos entrevistados (54%) querem que Lula seja preso. No quesito elegibilidade, o mesmo líder petista, à época já condenado a nove anos e meio de prisão na primeira instância, lidera a disputa presidencial com 36% dos votos definidos, superando, então, de longe, os adversários preferidos, Jair Bolsonaro (PSC), oscilando em 16% e 17%, e Marina Silva (Rede), entre 13% e 14%, nos cenários propostos. Dado quase importante quanto este diz respeito a preferência e rejeição. No caso da mesma pesquisa Datafolha, mantém-se o número dos eleitores que pretendem votar em Lula e cai o dos que não votariam nele de maneira nenhuma, com um detalhe: há mais eleitores que não votariam nele de maneira nenhuma (42%). Ou seja, devagar com o andor que o santo é de barro. E barro frágil.

E aí avulta a questão da possibilidade de prisão, determinada pelos desembargadores do TRF-4 em sua sentença, na qual a pena prevista inicialmente foi aumentada para 12 anos e um mês e ficou esclarecido que pode começar a ser executada assim que julgados os embargos de declaração. Convém esclarecer aqui mais uma tecnicalidade jurídica: como nenhum membro da oitava turma aceitou o recurso contra a condenação, o condenado não tem direito a embargos ditos infringentes, daquela natureza dos concedidos a vários réus do mensalão pelos membros do Supremo Tribunal Federal (STF), só cabendo à defesa de Lula agora apresentar os de declaração. Ou seja, que os julgadores informem à parte que recorreu em relação à dúvida, omissão ou contradição. Nem o mais apaixonado devoto do padim Lula tem esperança de o TRF-4 acolha embargos do gênero e, portanto, espera-se que sejam negados.

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Diante disso, afigura-se claramente a perspectiva da decretação da prisão, automaticamente, pela própria corte. Se isso ocorrer, previu o presidente Temer, não se sabe se por temor ou prevenção, o País será “tensionado”, seja lá o que isso queira dizer. A História recente não autoriza o pródigo e incauto arroubo de Sua Excelência. Em 2015, quando o impeachment da afilhada de Lula, Dilminha, passou a assombrar a tigrada, Lula em pessoa sacou a ameaça que até hoje ecoa no mundo político e inquieta tímidos e espertinhos: “Também sabemos brigar, sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas”. Mais explícito ainda foi o presidente da Central Única de Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, que, no Palácio do Planalto, transformado em trincheira da resistência dos continuístas, disparou: “Se esse golpe passar, não haverá mais paz no País”. Na verdade, só os 12,5 milhões de desempregados da crise provocada pela irresponsabilidade populista de Lula e Dilma, com a cumplicidade dos sindicalistas da CUT, de fato não tiveram paz desde a instalação da crise. Já Stédile e Vagner foram desmentidos pelos fatos. O impeachment passou com apoio de mais de dois terços da Câmara e da maioria da população e nem mesmo a bazófia impune de Vagner o fez perder a própria paz.

O vice que elegeu Dilma duas vezes com seu partidão não foi forçado a atender aos berros de “Fora Temer”, assim como o amigão deste, Gilmar “deixa que eu solto” Mendes, não teve de sair do STF para atender aos que gritam seu sobrenome junto com a interjeição hostil “fora” num raro voo em avião de carreira, como se viu neste fim de semana, quando voltava para casa depois de um reconfortante séjour na velha Lisboa.

Agora a ameaça se repetiu. Antes da condenação, a presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), exibiu o tamanho do erro de sua escolha pelo chefão para o cargo ao produzir o disparate: “Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar”. No dia seguinte, teve de recorrer à velha desculpa de que era apenas uma força de expressão.

Expressar-se sempre foi o forte de Lula, nunca o de Gleisi. Mas, depois da condenação, ela arriscou: “A partir deste momento, é radicalização da luta”. Mais imprudente foi o senador Lindbergh Farias, que foi além do presidente do PT de São Paulo, Luiz Marinho, que recorreu ao lugar-comum de “apagar fogo com gasolina”. Lindinho pregou “a rebelião das ruas, a desobediência civil”, misturando bugalhos nazistas com alhos pacifistas, como se estes não fossem como água e óleo, que não se misturam. Inspirou-se no próprio Lula, que, em entrevista à Playboy dos tempos de greve, disse que seus heróis favoritos eram Hitler e Gandhi. “Se prenderem o Lula, aí, meu amigo, a vitória é no primeiro turno”, completou, prevendo o que o Datafolha já tinha insinuado: a possibilidade de um presidiário disputar a eleição mais relevante do País.

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A não ser que estejam incorretos os jornais deste fim de semana, que flagraram uma conspiração em marcha, o STF prepara-se para recuar na decisão anterior de permitir a prisão de condenado em segunda instância. Gilmar Mendes já virou a casaca. E Alexandre de Moraes, que substitui Teori Zavascki, namora a hipótese do terceiro turno, ou seja, da “terceira instância”, apresentada por Dias Toffoli, que nunca passou num concurso para juiz, mas foi advogado do PT e da República na hora conveniente.

Permito-me contar um particular. Cármen Lúcia telefonou-me para convidar para a sua posse na presidência do STF. Declinei. No telefonema, ela garantiu, de forma incisiva, que, tendo sido vencedora por três vezes na decisão sobre a segunda instância, não agendaria a votação do princípio novamente, como insiste o relator, Marco Aurélio Mello. Caso ela recue, jogará por terra todo o esforço que tem feito para sustentar sua biografia em saliva, fazendo as melhores frases da cúpula do Judiciário, mas nem sempre as confirmando com atos. O recuo ao tal trâmite em julgado, em nome da presunção da inocência, que nem um bebê de colo daria ao presidente que a nomeou para o STF, Lula em pessoa, é um casuísmo. Como aquele da Lei Teresoca, do Estado Novo, sob os auspícios de Chico Ciência, e os dos drs. Gaminha e Buzaid, a serviço da ditadura militar. Lei Luloca? Vade retro!

A quebra da paz social é má lorota. O impeachment de Dilma, a condução coercitiva, a condenação em primeira instância, a confirmação em segunda e a perda do passaporte de Lula ─ tudo isso passou em brancas nuvens, sem tempestades maiores. Ninguém se incendiou em praça pública, como o monge budista o fez pela paz no Vietnã. E, para concluir, a deusa Clio mandou mais uma ironia para o caso: Obama e Bono Vox não foram a Porto Alegre clamar por Lula. E ele foi privado de chorar as mágoas em Adis Abeba, Paris ou Berlim ─ onde, diziam os antigos, ainda há juízes.

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