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A escolha do embaixador na Coreia do Norte comprova que, para o Itamaraty, os malucos se entendem

Aos 71 anos, o diplomata Arnaldo Carrilho, agora embaixador do Brasil na Coreia do Norte, exibe alternadamente a alma lírica e o coração beligerante. O lado romântico prevaleceu no fim de maio de 2005, quando foi escalado para ajudar o Brasil a obter uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. Carrilho suspendeu o descanso […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 17h29 - Publicado em 8 jun 2009, 20h35

arnaldo-carrilhoAos 71 anos, o diplomata Arnaldo Carrilho, agora embaixador do Brasil na Coreia do Norte, exibe alternadamente a alma lírica e o coração beligerante. O lado romântico prevaleceu no fim de maio de 2005, quando foi escalado para ajudar o Brasil a obter uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. Carrilho suspendeu o descanso no consulado em Sydney, na Austrália, e entrou para a história do Itamaraty como O Redescobridor da República de Kiribati.

A face escura emergiu no ano seguinte, quando o Ministério das Relações Exteriores o designou para servir a pátria junto à Autoridade Palestina. Como atesta a farta correspondência com seus superiores, Carrilho pousou na zona conflagrada ansioso por barulhos. Garantiu que o Hamas não tinha nada de terrorista e, enquanto pregava a extinção sumária do Estado judeu, exigiu que as tropas semitas sumissem dos territórios ocupados.

Escolhido em novembro passado para inaugurar a embaixada na Coreia nuclear, nosso homem em Pyongyang pode tanto sugerir a edição do primeiro guia turístico em português quanto propor um ataque nuclear à Coreia do Sul. Por enquanto, planeja apenas conversar sobre cinema com o ditador Kim Jong-il. “O líder do país é um cinéfilo”, animou-se no fim de maio o parceiro de cinefilia. “Vou levar caixas de filmes de Glauber Rocha, de Nelson Pereira dos Santos, de Leon Hirszman, mostrar o nosso Cinema Novo para ele”.

A troca de idéias sobre questões cinematográficas foi o ponto alto da conversa entre Arnaldo Carrilho e Anote Tong, presidente de Kiribati, arquipélago perdido nos cafundós do Pacífico. “Tratamos de clássicos do cinema que passeiam pela região, tais como filmes de Murnau (Aurora e Tabu) e Sternberg (A saga de Anatahan), desvinculados de estereotipias folclorizantes e paternalistas à maneira hollywoodiana”, resumiu o cabo eleitoral num telegrama de 1.771 palavras, distribuídas por 14 tópicos, enviado ao Itamaraty em 3 de junho de 2005. O diálogo sobre o mundo das telas e salas escuras foi só um dos vários grandes momentos da narrativa.

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”No trajeto para o palácio presidencial, sucediam-se ricas construções como o palácio episcopal (católico), a embaixada formosina e as sedes dos Altos Comissariados da Austrália e Nova Zelândia”, decolou Carrilho já nas primeiras linhas sobre a aventura no arquipélago com 103 mil habitantes. “Espampanantemente volumoso, o palácio episcopal destacou-se na paisagem de coqueirais com uma fileira de 12 janelões na fachada”, impressionou-se sem especificar que sentido conferiu ao poderoso advérbio de abertura. Espampanante significa espalhafatoso e, também, muito vistoso.

“O palácio presidencial era modesto”, constatou dezenas de palavras além. ”Observamos que todos os funcionários, salvo o presidente e seu secretário que calçavam sandálias de couro e trajavam saiote tradicional, camisa de manga curta e gravata, locomoviam-se descalços pelos corredores labirínticos e salas de trabalho, onde se encontram outras pastas, cada uma ocupando dois ou três cômodos da casa”.

Antes de bater à porta do gabinete de Tong, estacionou na sala do secretário de Negócios Estrangeiros e Imigração, Taam Biribo, que o surpreendeu agradavemente com a proposta: “Biribo convidou-me para almoçar na parte mais bela e pitoresca do atol, Bétio (em nossa prosódia, ‘Besso’)”. O viajante aproveitou a recepção calorosa para sugerir o estabelecimento de relações diplomáticas entre as duas nações. Biribo desculpou-se: vontade há de sobra, mas falta gente. A versão kiribatiana do Itamaraty tem 12 funcionários e uma única embaixada, nas Ilhas Fiji.

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Carrilho gostou mais ainda do encontro o presidente de Kiribati (“na pronúncia local, se diz ‘kiribass’”, esclareceu o telegrama). ”Anote Tong é homem culto e preparado, originário do leste de um país com 33 atóis que se espalham pelos quatro hemisférios e é dividido pela linha internacional da data. Isso quer dizer que nasceu um dia antes daquele do atol de Taraua, a capital”.

“Graças à formação cultural de Tong, aperfeiçoada na Nova Zelândia e na Grã-Bretanha, pudemos manter diálogo de alto nível”, continuou a elogiar e elogiar-se.  “Houve inclusive citação a Marx, algo que se tornou corriqueiro entre não-marxistas”. O visitante entregou uma carta em que o presidente Lula pedia o apoio de Kiribati para o ingresso na ala vip da ONU. Tong ficou de pensar. (Acabou votando contra).

A aventura chegou ao climax no almoço, temperado por fortes e furtivas emoções, em companhia de Biribo e “uma alta funcionária do governo” cujo nome foi cavalheirescamente omitido. “Ela usava sandálias havaianas, das legítimas”, excitou-se. “Chamou-me de lado e disse, em inglês, que me achara muito bonito”, limitou-se a confidenciar.

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O Itamaraty deve ter indicado Carrilho para a embaixada em Pyongyang por achar que os malucos se entendem. Rezemos para que o ditador atômico e o diplomata doidão só combinem idas ao cinema.

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