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A doce ilusão da vontade

Texto publicado no Estadão desta quinta-feira Fernando Reinach Quando nos levantamos da mesa, vamos até a geladeira e nos servimos de um copo de água, temos a certeza de que esse comportamento complexo teve sua origem em nossa vontade. Em outras palavras, acreditamos que tudo se iniciou com nossa vontade consciente de tomar água. Não […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 14h32 - Publicado em 14 ago 2010, 12h31

Texto publicado no Estadão desta quinta-feira

Fernando Reinach

Quando nos levantamos da mesa, vamos até a geladeira e nos servimos de um copo de água, temos a certeza de que esse comportamento complexo teve sua origem em nossa vontade. Em outras palavras, acreditamos que tudo se iniciou com nossa vontade consciente de tomar água.

Não há dúvida de que a mente humana é capaz de imaginar uma situação no futuro (a água prazerosamente descendo pela garganta), avaliar se essa situação é recompensadora (sim, tenho sede) ou não (que preguiça de ir até a geladeira) e tomar a decisão de agir para tornar real a situação que imaginamos. O problema é que nas últimas décadas os cientistas têm descoberto que muitos atos que acreditamos serem derivados de nossa vontade consciente na verdade são comandados ou modulados pelo nosso inconsciente.

A ilusão da vontade consciente é tão forte que muitos têm dificuldade em aceitar que atos inconscientes existem. Para convencer os incrédulos, nada melhor que examinar os mais simples. Nosso coração bate regulado por um mecanismo sobre o qual praticamente não temos controle consciente. O mesmo ocorre com o movimento dos intestinos. Outros atos são controlados pelo inconsciente durante a maior parte do tempo, mas podemos assumir seu controle. É o caso do ato de respirar.

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Em outros casos – por exemplo, quando dirigimos um carro por um percurso familiar -, abdicamos do controle consciente e de repente percebemos que já chegamos. O mesmo ocorre com o ato de andar. Já tentou controlar conscientemente cada movimento de cada músculo do seu corpo enquanto anda? É praticamente impossível. Começamos a andar e o inconsciente toma conta dos detalhes enquanto sonhamos acordados.

A primeira descoberta que abalou nossa ilusão de que a vontade consciente inicia nossos atos foi o experimento que demonstrou que quando uma pessoa levanta um dedo, um cientista que monitora seu cérebro é capaz de prever que ela vai decidir levantar o dedo frações de segundo antes de ela fazê-lo e muito antes de o dedo realmente se mover. Nesse caso, apesar de o cérebro ter “decidido” antes de a decisão aparecer na consciência, o ato de levantar o dedo só ocorre depois de essa vontade aparecer na consciência.

Nos últimos anos, os cientistas descobriram que muitos de nossos atos são iniciados e concluídos sem que eles apareçam na nossa consciência. O elemento que provoca o início do ato também é inconsciente. Dezenas de experimentos demonstram que isso ocorre. Em um deles, duas pessoas sentadas em uma mesa são instruídas a montar dois quebra-cabeças em sequência. Os quatro quebra-cabeças, quando montados, revelam palavras. Foi descoberto que se o quebra-cabeça montado primeiro por uma das pessoas revelar palavras como “vitória” ou “competitividade”, essa pessoa vai montar mais rapidamente que a outra o segundo quebra-cabeça.

Ou seja, mesmo sem ter decidido conscientemente aumentar a velocidade com que tenta completar a tarefa, o inconsciente da pessoa usa a informação visual e o significado da palavra lida no primeiro quebra-cabeça para modular seu comportamento. A competitividade brotou diretamente do inconsciente. Interrogadas sobre o experimento, essas pessoas não têm consciência de que tentaram aumentar a velocidade.

Nessa mesma linha, outros experimentos demonstram que, em um escritório, as pessoas mantêm suas mesas mais limpas se um ligeiro odor de desinfetante (em níveis abaixo dos percebidos conscientemente) for adicionado ao ar. Em outro estudo, pessoas eram informadas que receberiam uma recompensa fixa em dinheiro (digamos, sempre R$ 1) se apertassem um botão quando uma imagem de dinheiro aparecesse na tela. Diferentes grupos foram submetidos a diversas imagens de dinheiro. A força com que as pessoas apertam o botão é diretamente relacionada ao valor que aparece na tela.

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Em todos esses casos, as pessoas agiram guiadas por estímulos vindos do inconscientes e nunca tiveram conhecimento ou “vontade consciente” de praticar os atos. Elas procuraram atingir um objetivo e executaram um ato sem intervenção da consciência. Experimentos mais complexos demonstram que muitas vezes iniciamos, executamos e terminamos atos sem jamais termos consciência do que fazemos.

Esses experimentos têm gerado muitas discussões sobre seu significado. Eles afetam a imagem que temos de nossos atos, da nossa liberdade de ação e do que significa ser humano. Mas, para muitos biólogos, essas descobertas são mais uma demonstração de que, afinal, não somos tão diferentes dos outros animais.

A maioria dos seres vivos provavelmente não tem consciência de seus atos da mesma maneira que acreditamos possuir. Apesar disso, agem e reagem guiados por um cérebro capaz de captar estímulos do meio ambiente e transformá-los em ações na ausência de consciência. Nossa mente consciente evoluiu no interior de um desses cérebros e não deveria nos espantar que muitos dos mecanismos que governam o comportamento de nossos ancestrais ainda governem nossos atos. Precisamos aprender a conviver com o fato de que não passamos de animais sofisticados e aos poucos nos libertarmos da doce ilusão de que nossos atos dependem de nossa vontade consciente.

Fernando Reinach é biólogo

Mais informações: The Unconcious Will: how the pursuit of goals operates outside os concious awareness. Science, vol. 329, pág. 47, 2010.

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