A boa vida nos elefantes brancos do Planalto
Branca Nunes e Bruno Abbud O ministro Wellington Moreira Franco assumiu oficialmente o cargo de chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos em 4 de janeiro deste ano. Mas os dois primeiros compromissos ocorreram só 24 dias depois: uma visita ao Ipea e um encontro com um deputado do PMDB, partido a que é filiado. Naquele […]
Branca Nunes e Bruno Abbud
O ministro Wellington Moreira Franco assumiu oficialmente o cargo de chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos em 4 de janeiro deste ano. Mas os dois primeiros compromissos ocorreram só 24 dias depois: uma visita ao Ipea e um encontro com um deputado do PMDB, partido a que é filiado. Naquele mês, a agenda de Moreira Franco registrou apenas mais uma anotação: “despachos internos”, às 17h do dia 31. Em fevereiro, esteve fora de Brasília duas semanas. Em 1º de março, seguiu para o Rio de Janeiro, onde aproveitou o Carnaval até o dia 10 e para onde voltou horas depois de dois compromissos na capital federal. A rotina de Moreira Franco manteve o ritmo sonolento até 23 de maio, quando subitamente ganhou tal velocidade que, em 40 dias, os registros na agenda superaram a soma dos cinco meses anteriores.
Não foi difícil decifrar o mistério. O ministro pisou no acelerador no dia da publicação pela Folha de S. Paulo de um artigo do historiador Marco Antonio Villa, que detalhou o cotidiano de Moreira Franco. Mas permanece outro enigma: em seis meses de governo, a presidente Dilma Rousseff não contemplou o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos com uma audiência individual. Moreira Franco não é o único que nunca entrou sozinho no gabinete presidencial. Entre seus companheiros de ostracismo figura Pedro Novais.
As peripécias do amigo de Sarney
Aos 80 anos, o ministro do Turismo tomou posse em 3 de janeiro, semanas depois de ter festejado a mudança de emprego com uma festança num motel em São Luís. Patrocinada pelo Poder Legislativo, a noitada consumiu R$ 2.156 da verba indenizatória a que tinha direito como deputado federal. Depois de assumir o cargo, o congressista que virou ministro por ser amigo de José Sarney só reapareceu no local de trabalho em 12 de janeiro.
Recordista em audiências com parlamentares – segundo a Folha, foram 132 nos primeiros 165 dias no cargo, muito mais que as 32 somadas pelo antecessor Luiz Barretto no mesmo período de 2009 –, Pedro Novais não é apreciador de materiais impressos. Entre 3 de janeiro e a terceira semana de junho, assinou uma portaria e dois convênios. Um documento a cada dois meses. A portaria regulamentou a classificação dos hotéis brasileiros, baseando-se em padrões reconhecidos internacionalmente. Os convênios favoreceram a governadora Roseana Sarney com R$ 22,6 milhões, oficialmente destinados à infraestrutura turística do Maranhão.
Em 4 de março, uma semana antes da sexta-feira de Carnaval, o ministro concedeu uma entrevista às 17 horas. Foi seu último compromisso. Voltou ao trabalho 10 dias depois. Ele gosta muito de prolongar feriados. Como Ideli Salvatti.
As curiosidades da pesca
Nomeada ministra da Pesca e Aquicultura às 11 horas de 3 de janeiro, Ideli começou a trabalhar às 9h do dia 4. Duas horas depois, recebeu o presidente da estatal baiana Bahia Pesca. A conversa durou quinze minutos. Às 15h, reuniu-se com assessores. O dia terminou com um encontro com o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, às 16h30. Foi uma agenda estafante se comparada ao resto do mês. Em 10 dos 18 dias em que trabalhou em janeiro, marcou o último compromisso para às 15h. No dia 13, encerrou o expediente logo depois de uma reunião com técnicos do ministério, às 9 horas da manhã.
Entre janeiro e junho, passaram-se 125 dias úteis. Ideli e Luiz Sérgio, com quem a ministra trocou de lugar para assumir a Secretaria de Relações Institucionais, só apareceram no trabalho em 100, acumulando quase um mês de folga. A ministra também descansou nos cinco dias de Carnaval – e na quarta-feira de cinzas. Em 19 de abril, uma terça-feira, Ideli terminou o expediente depois das 22h15, quando concedeu uma entrevista a um programa de televisão. Talvez para evitar a exaustão, resolveu descansar no dia seguinte e antecipou o feriado de Páscoa. Voltou em 25 de abril.
Ideli e Luiz Sérgio trocaram de cargo em 10 de junho. Naquele mês, ela acumulou três dias de trabalho no Ministério da Pesca e Aquicultura. Ele, seis. Na semana que precedeu o feriado de Corpus Christi, o último compromisso de Luiz Sérgio ocorreu às 14h30 da terça-feira, quando o novo ministro da Pesca e Aquicultura abrilhantou a abertura da 6ª Olimpíada Brasileira de Matemática. No dia 29, acompanhou Dilma Rousseff numa viagem ao Paraguai. Em vez de aproveitar a chance de conhecer os rios Paraná e Paraguai, participou de uma reunião que debateu a importância da TV digital para os dois países.
A multiplicação dos cargos
Criada por Lula em 1º de janeiro de 2003, a Secretaria de Aquicultura e Pesca transformou-se em Ministério da Pesca e Aquicultura seis anos depois. Hoje, o governo desperdiça R$ 575 mil por mês ─ 6,9 milhões por ano ─ com o aluguel do prédio que abriga o Ministério em Brasília. São 374 funcionários nos 14 andares espelhados perto da Catedral de Brasília. Apesar do gasto, Ideli e outros 67 assessores cumprem expediente longe dali, na Esplanada. Segundo o site Contas Abertas, em fevereiro deste ano o Ministério abrigava 596 funcionários. Há superintendências nos 27 estados brasileiros, além de outros 37 órgãos, incluindo as diretorias.
O Ministério da Pesca sempre teve o menor orçamento da Esplanada. Em 2003, foram R$ 11,6 milhões. No ano eleitoral de 2010, a conta subiu para R$ 803 milhões. Em fevereiro, depois do corte de R$ 50 bilhões anunciado por Dilma Rousseff, a pasta poderá gastar até R$ 215,9 milhões. Por enquanto, gastou um terço do total. Durante os oito anos em que Lula esteve na Presidência, o orçamento do ministério da Pesca aumentou 72 vezes. Segundo o Estadão, no mesmo período, a produção nacional de pescado continuou estacionada em 990 mil toneladas.
O corte orçamentário foi ainda mais doloroso no ministério de Pedro Novais, que, a dois anos da Copa do Mundo e a cinco das Olimpíadas do Rio de Janeiro, teve a verba reduzida de R$ 3,6 bilhões para R$ 573 milhões. Além dos dois andares de um prédio na Esplanada, o Ministério ocupa outros três pisos de um edifício comercial de Brasília, ao preço de R$ 100 mil mensais. Bancados pelos cofres públicos, naturalmente.
Em 2003, quando Lula chegou à Presidência, havia 26 ministérios. Em menos de nove anos, outros 12 foram criados, aumentando em 204 mil o número de funcionários da União e multiplicando o gasto anual com a folha de pagamento do governo federal de R$ 75 bilhões para R$ 179,5 bilhões, em 2010.
Em seis meses, Dilma Rousseff encontrou-se com o artista plástico Romero Britto, com a cantora colombiana Shakira e com Bono Vox, vocalista da banda irlandesa U2. Garibaldi Alves Filho, ministro da Previdência, e Wagner Rossi, da Agricultura, só conseguiram uma audiência com a presidente no começo de abril. Outros não conseguiram nem isso. Se continuar recitando que todos os 38 ministérios – a última invenção foi a Secretaria de Aviação Civil – são essenciais para o bom funcionamento do aparato estatal, Dilma terá de escolher entre duas opções. A primeira é encontrar tempo para saber pelo menos como é a voz de gente como Pedro Novais e Moreira Franco. A segunda é convidar Marco Antonio Villa para o cargo de ombudsman do primeiro escalão. Ele conseguiu fazer Moreira Franco trabalhar. Talvez consiga induzir o resto da turma a justificar ao menos parcialmente o salário mensal de R$ 26.723,13.