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A biografia de Carlos Castello Branco, o maior comentarista político brasileiro

AUGUSTO NUNES Publicado na edição impressa de VEJA O maior comentarista político da imprensa brasileira nunca empunhou gravadores, Jamais sacou do bolso do paletó o bloco de papel e a caneta que inevitavelmente inibem, quando não emudecem, até campeões de loquacidade. Em vez de anotar o que ouvia, armazenava na memória prodigiosa informações que, na […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 01h22 - Publicado em 16 Maio 2015, 13h11

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AUGUSTO NUNES

Publicado na edição impressa de VEJA

O maior comentarista político da imprensa brasileira nunca empunhou gravadores, Jamais sacou do bolso do paletó o bloco de papel e a caneta que inevitavelmente inibem, quando não emudecem, até campeões de loquacidade. Em vez de anotar o que ouvia, armazenava na memória prodigiosa informações que, na manhã seguinte, balizariam o que para uma imensidão de leitores era mapa, bússola e guia: a Coluna do Castello, um templo devotado ao culto da verdade que se podia encontrar no canto esquerdo da página 2 do Jornal do Brasil.

Castelinho, como ficaria conhecido o guardião do lugar, não fazia entrevistas; conversava. Sempre ouvindo mais do que falando, arrancava confidências de qualquer um que pudesse ajudá-lo  bastidores, labirintos e catacumbas inacessíveis a gente comum. O refinamento literário do texto ─ elegante, enxuto, que preferia sugerir nas entrelinhas a escancarar em adjetivos ─ completava o estilo do personagem ressuscitado pelo biógrafo Carlos Marchi no oportuníssimo Todo Aquele Imenso Mar de Liberdade ─ A Dura Vida do Jornalista Carlos Castello Branco (Editora Record; 559 páginas; 70 reais).

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Terminada a leitura, bate a tentação de perguntar ao autorpor que o subtítulo não trocou de lugar com o título liricamente irreal. Mares de liberdade não combinam com tantos sobressaltos institucionais, tantos surtos de primitivismo político. Sobretudo, não rimam com ditaduras ─ e Castelinho teve de lidar com duas.

O Estado Novo de Getúlio Vargas consolidou no repórter principiante o apreço pela tolerância e a aversão a qualquer espécie de autoritarismo. Na longa noite dos generais-presidentes, aprendeu que o naufrágio do Estado de Direito expõe os democratas incuráveis, tribo que adotaria para sempre, ao permanente risco de afogamento.

Ao longo da ditadura militar, aflitivas experiências pessoais também ensinaram ao colunista que os donos dos jornais não têm afetos reais ─ ou tratam de revogar sentimentos profundos se o preço da sobrevivência econômica é a cabeça de alguém que teima em contar a verdade. Também por isso Castelinho foi tão frequentemente infeliz.

Mas não só por isso. A morte do filho Rodrigo mostrou-lhe que nenhuma dor decorrente de violências políticas é mais lancinante que o calvário imposto por golpes do destino. Potencializada pela suspeita de que o acidente automobilístico que matou Rodrigo disfarçava uma trama urdida por assassinos a serviço do regime militar, a tragédia devastadora se desdobrou no aumento da já generosa porção diária de uísque.

O sofrimento só submergia, por algumas horas, em momentos muito especiais. O sorriso reapareceu, por exemplo, quando foi contemplado com algum prêmio cobiçado por 10 em 10 profissionais da imprensa. Ou quando assumiu a presidência do sindicato dos jornalistas de Brasília. Ou quando conseguiu a vaga na Academia Brasileira de Letras. Mas logo estava de volta o que o presidente Ernesto Geisel, castigado por um drama semelhante, qualificou de “a dor que não passa”.

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Para que a forma se iguale em qualidade ao conteúdo, basta que o jornalista Carlos Marchi remova das próximas edições um pecado editorial que prejudica a narrativa exemplarmente encadeada. Com desagradável frequência, irrompem declarações cujo autor não é identificado antes ou depois das aspas. Para saber-se quem está falando, é preciso conferir o número que aparece ao fim do depoimento e dirigir-se ao índice que se segue a cada capítulo.

Talvez para poupar o leitor da exasperante procissão de notas de rodapé, os que aprovaram a ideia escorregaram num equívoco indefensável. Fora tal registro, não há reparos a fazer a uma biografia que, paralelamente à reconstrução de uma vida e tanto, expõe à visitação pública os melhores e piores momentos do Brasil da segunda metade do século 20, além de fotografar em branco e preto as relações sempre tensas entre uma celebridade da redação e um barão da imprensa, ou entre o dono do jornal e os donos do país.

Amigo e discípulo do biografado, Marchi foi muito além do que viu e ouviu durante o longo convívio. Ele também resgatou cartas e documentos inéditos, entrevistou os que conheceram ao menos uma das muitas e contrastantes facetas de Castelinho, fez escavações no período em que o jornalista independente foi secretário de imprensa do presidente Jânio Quadros e refez a trajetória que começou em Teresina, na casa do pai autodidata que sabia declamar Os Lusíadas de ponta a ponta e de trás para a frente.

A caminhada prosseguiu em Belo Horizonte, onde o escritor medíocre se rendeu à evidência de que seria apenas o maior dos jornalistas políticos. Avesso a derramamentos, de poucas palavras e provido de tímpanos ultrassenvíveis, em algumas semanas já parecia ter nascido lá. No Rio, destino predileto dos mineiros, circulou por muitos cargos e redações até estacionar no que seria o seu castelo particular: a coluna no JB, que o transformou em testemunha privilegiada e frequentemente protagonista da História do Brasil.

Pena que Carlos Castello Branco não possa conferir a própria biografia. Marchi seria certamente afagado pela frase que raríssimos  jornalistas ouviram: “ Eu gostaria de ter escrito isso”. Sobre outra figura, naturalmente.

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