Publicado no Estadão desta quarta-feira
O Ministério da Pesca, como se sabe, é dirigido por um ministro que publicamente admitiu não saber colocar minhoca no anzol. Logo, não deveria causar surpresa a informação de que, a despeito de reiteradas denúncias, esse mesmo Ministério continua a permitir a distribuição de benefícios a “pescadores” que só encontram peixes quando vão ao supermercado.
De acordo com a organização não governamental Contas Abertas, que fiscaliza o uso do dinheiro público, o governo federal deverá gastar neste ano cerca de R$ 1,9 bilhão com o seguro-defeso, mais conhecido como “Bolsa Pescador”. Em 2011, foi R$ 1,3 bilhão.
Trata-se de um programa iniciado em 1991 para ajudar pescadores que atuam de forma individual ou em regime de economia familiar, pagando-lhes a compensação de um salário mínimo no período em que são proibidos de exercer sua atividade em razão do “defeso”, isto é, a época da reprodução das espécies, que dura cerca de quatro meses. Semelhante ao seguro-desemprego, é uma iniciativa de grande importância social e ambiental.
No entanto, em 2003, já sob a Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, foi aprovada uma lei que afrouxou as exigências para a inscrição de pescadores no programa. Com ela, basta ao solicitante comprovar que a pesca é sua única fonte de renda. O objetivo era estender o benefício a mais trabalhadores, mas o resultado, previsível, é que o “Bolsa Pescador” se tornou um foco crescente de fraudes – segundo o Contas Abertas, poucas iniciativas do governo federal são tão propícias à gatunagem quanto esta.
A título de desburocratizar o acesso ao pagamento, a lei reduziu de três para apenas um ano a exigência do período mínimo de registro profissional do pescador. Com isso, conforme informou o jornal Valor (19/8), se instaurou a farra, pois, além dos pescadores, puderam obter o benefício os cônjuges desses trabalhadores. Outra brecha está na concessão de aposentadorias. Há casos de falsas inscrições em colônias de pescadores para a contagem do tempo de serviço de trabalhadores de outros ramos de atividade.
Graças a essas facilidades, cresceu exponencialmente o número de beneficiados. Em 2002, eram 91,7 mil. Neste ano, eles devem superar a marca de 700 mil. O peso para os cofres públicos é significativo – dos R$ 10 bilhões tirados do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para pagar o seguro-desemprego entre janeiro e abril deste ano, nada menos que R$ 1,2 bilhão foi para o seguro-defeso.
Essa formidável expansão do programa foi acompanhada de um equivalente acúmulo de desvios. A Controladoria-Geral da União (CGU) diz que foram pagos R$ 100 milhões em benefícios irregulares somente nos últimos dois anos. Um exemplo do descontrole é o município de Salvaterra, no Pará, em que 13 mil de seus 20 mil habitantes estão cadastrados no seguro-defeso. Também segundo a CGU, entre 2009 e 2011 houve ao menos 2.750 casos de beneficiados que tinham outros vínculos empregatícios – inclusive no funcionalismo público. Até a filha do prefeito de uma cidade maranhense obteve a assistência, amealhando quase R$ 6 mil em pouco mais de dois anos. “Pescadores” que moram em Brasília também foram contemplados.
O Ministério da Pesca tenta mostrar que está atento ao problema. Em janeiro, decidiu reduzir, de três para dois anos, o prazo para renovar o registro como pescador profissional e, além disso, passou a exigir comprovante da venda do pescado. Recentemente, informou que suspendeu 81 mil carteiras de pescadores que não atualizaram seus dados. É um começo, mas não resolve o problema.
O “Bolsa Pescador” tem sido usado com objetivos eleitorais – candidatos prometem incluir eleitores no registro de pescadores profissionais em troca de votos. Para o Contas Abertas, tal situação reduz o interesse efetivo em combater as fraudes, pois elas rendem dividendos políticos, principalmente nas cidades menores. Assim, enquanto o Ministério da Pesca está atrás de bagrinhos, os peixes grandes continuam a predar o erário.