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‘Os ex-censurados que agora querem censurar’, de José Nêumanne

Publicado no Estadão desta quarta-feira JOSÉ NÊUMANNE “As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam.” O verso de Sérgio Natureza, musicado por Tunai, fez sucesso na voz de Elis Regina, reconhecida como a maior cantora brasileira de todos os tempos, mas, ainda assim, controvertida. Agora a frase virou uma profecia confirmada. A personalidade […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 05h07 - Publicado em 23 out 2013, 16h16

Publicado no Estadão desta quarta-feira

JOSÉ NÊUMANNE

“As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam.” O verso de Sérgio Natureza, musicado por Tunai, fez sucesso na voz de Elis Regina, reconhecida como a maior cantora brasileira de todos os tempos, mas, ainda assim, controvertida. Agora a frase virou uma profecia confirmada. A personalidade da estrela era tão forte e polêmica que quando se casou com Ronaldo Bôscoli o irreverente Carlos Imperial ironizou: “Bem feito pros dois”. Desse casamento nasceu João Marcello, que adotou uma posição definida e lúcida contra a censura prévia que ídolos da Música Popular Brasileira (MPB) querem impor ao submeterem as próprias biografias ao crivo deles. Como os irmãos Maria Rita e Pedro, João Marcello jamais criou obstáculos à publicação de biografias da mãe por saber que fazê-lo seria trair sua melhor herança: o amor à liberdade.

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Já Chico Buarque de Holanda é uma unanimidade nacional, como definiu Millôr Fernandes. Mas o símbolo da luta contra a censura na ditadura militar aderiu ao movimento Procure Saber, que luta para manter o dispositivo adicionado ao Código Civil em 2002 que submete biografias à prévia autorização de biografados ou herdeiros. Em artigo no Globo, ele acusou o autor da biografia de Roberto Carlos, proibida a pedido deste, Paulo César de Araújo, de ter usado depoimento que ele não teria dado sobre o biografado. Depois da divulgação da conversa dos dois na internet, desculpou-se, mas voltou a mentir, ao inventar que o Última Hora paulista prestara serviços a “esquadrões da morte”. Tal mancha na história do jornal é tão fictícia quanto o Pedro Pedreiro da canção do acusador. Nos anos 70, o diário teve entre seus colunistas o mais censurado dramaturgo do Brasil à época, Plínio Marcos, e chegou a ser dirigido por seu fundador, Samuel Wainer. E o filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes do Brasil, como lembrou a irmã Ana, ainda cuspiu na memória do pai.

Provado que as aparências enganam, convém acrescentar que ninguém deve julgar por elas. Por exemplo, o movimento liderado por Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano Veloso, não deveria chamar-se Procure Saber, mas, sim, Não queira nem saber. E ao contrário do que asseguram seus protagonistas – Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, Marília Pêra e outros – não luta por uma garantia legal, já assegurada em nosso Estado Democrático de Direito a qualquer cidadão: o direito à privacidade. Mas por um privilégio a ser gozado apenas pelas celebridades: o direito de furar a longa fila de quem recorre à nossa Justiça, que não é cega, mas de uma morosidade que beira a paralisia.

A manutenção do artigo que submete a publicação de biografias à autorização de biografados ou seus herdeiros viola o princípio democrático basilar do direito à liberdade de informação, expressão e opinião. E sua extinção não interferirá na legislação que já protege a reputação dos cidadãos e estabelece penas e multas a quem divulgue mentiras, calúnias, injúrias ou difamações contra alguém. A supressão do artigo que destoa das instituições democráticas vigentes, pois, não porá em risco a reputação de ninguém. Apenas negará aos famosos o privilégio de proibirem a publicação de livros sobre sua vida que registrem alguma informação que não queiram que seja divulgada.

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O patrono dos “neocensores”, Roberto Carlos, quer manter em segredo o acidente ferroviário que lhe decepou a perna, bastante conhecido, como antes proibiu regravações de Quero que Vá Tudo pro Inferno. Mas nem o espírito de censor, adicionado às manias de seu transtorno obsessivo compulsivo (TOC), como o de não cumprimentar quem vista roupa marrom, explica o fato de ele ter vetado a publicação de tese sobre a moda na Jovem Guarda, que considera parte de seu patrimônio pessoal.

A fortuna de Roberto e Erasmo Carlos foi construída mercê da fama obtida pela imensa receptividade do público pagante a sua obra musical. Nada mais justo! Só que celebridade exige a contrapartida da curiosidade da plateia, assim como a vida pública dos dirigentes da República cerceia algumas comodidades de que os cidadãos anônimos gozam. A vida dessa elite faz parte da história da sociedade. O melhor que alguém que não queira submeter-se a esse incômodo pode fazer é recolher-se ao anonimato, trancando-se a sete chaves. Isso não quer dizer que algum biógrafo irresponsável possa mentir sobre qualquer episódio da vida de uma pessoa só porque ela é muito conhecida.

É natural, mas não é correto, que quem desperta interesse tente resguardar-se, como alguns venerados artistas reivindicam, ou exigir licença para delinquir, com a qual sonham alguns maus políticos. A condenação dos mensaleiros pelo Supremo Tribunal Federal (STF) puniu a corrupção e deixou claro para esses mandatários que eles têm, como um cidadão comum, a obrigação de cumprir as leis que debatem e aprovam. O mesmo princípio da igualdade de todos perante a lei é ferido pelo pleito do grupo de famosos que querem censurar previamente suas biografias.

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Os votos de seis ministros do STF aceitando embargos infringentes de alguns réus do mensalão põem em debate outro obstáculo à isonomia: o limitado acesso à Justiça, em geral, e ao Supremo, em particular. Os ex-censurados que viraram censores prévios pretendem o mesmo que José Genoino e José Dirceu reivindicam: a garantia de um privilégio hediondo como prêmio a suas biografias de respeito. Não foi à toa que Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado de alguns mensaleiros, publicou artigo em defesa dos ídolos da MPB. Mas estes deveriam era seguir o sensato exemplo de João Marcello Bôscoli: ao se pretenderem censores prévios da publicação de suas biografias, terminam manchando-as de forma indelével.

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