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China substitui EUA na liderança de grandes acordos comerciais

RCEP e Acordo China-UE mostram os desafios de política comercial dos EUA na era Biden

Por Renata Amaral (*)
Atualizado em 13 jan 2021, 13h41 - Publicado em 12 jan 2021, 23h43
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  • As imagens dessa última semana em Washington colocaram em risco a democracia norte-americana e escancararam a sua vulnerabilidade para o mundo. Caíram no colo no presidente eleito dos Estados Unidos (EUA) mais problemas domésticos sérios para lidar: o risco de escalada da violência doméstica e a imagem estilhaçada do país para o mundo em 6 de janeiro.

    Biden precisará de muita habilidade para reorganizar o país rachado que herda dos últimos quatro anos de governo Trump. Dentre as trapalhadas que ele precisará reorganizar, está a relação política e comercial com a China, e com o mundo.

    Trump diminuiu o tamanho e a presença dos EUA em organismos internacionais e negociações multilaterais, mas o comércio global se reorganizou sem os americanos. Três acordos bastante robustos chamam a atenção:

    – A Parceria Transpacífica (CPTPP – Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership, na sigla em inglês) – um acordo que envolve 11 países da Ásia, Pacífico e Américas, do qual Trump retirou os EUA no primeiro dia do seu mandato em 2017;

    – A Parceria Regional Econômica Abrangente (RCEP – Regional Comprehensive Economic Partnership, na sigla em inglês);

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    – O Acordo Abrangente de Investimentos entre União Europeia e China, assinado às vesperas virada para 2021.

    Iniciado pelo governo Bush e concluído pelo governo Obama, o antigo TPP (hoje CPTPP) foi uma robusta e inteligente tentativa de isolar a China no mercado asiático. Trump não entendeu isso, retirou os EUA do acordo. Acabou dando um tiro no pé, pois o acordo aconteceu sem a presença dos EUA.

    Outro megamovimento na Ásia foi concluído recentemente e deu origem ao maior acordo de comércio do mundo, o RCEP. De forma inédita, o RCEP juntou as maiores potências asiáticas no mesmo acordo de livre comércio: China, Japão e Coreia do Sul, ao lado de 10 países do Sudeste Asiático (ASEAN), Austrália e Nova Zelândia.

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    E a cereja do bolo veio antes do Réveillon, para desgosto da nova administração americana: a assinatura do acordo de investimentos entre União Europeia e China, beneficiando os investimentos internacionais de empresas dos dois lados. Este acordo, que passou despercebido por muita gente, ainda que modesto em temos de compromissos bilaterais, contém compromissos de acesso a mercados e redução de barreiras aos investimentos entre China e UE, regras de regulamentação da competição, desenvolvimento sustentável e resolução de disputas. Biden considera os europeus aliados importantes no enfrentamento dos chineses, e Bruxelas sabe disso. Talvez esse tenha sido um sinal claro de que, sabendo das pretensões do novo presidente dos EUA, a Europa não vai se comportar passivamente e confrontará Pequim olhando para os seus próprios interesses.

    Enquanto o mundo levou política comercial, acordos e comércio a sério nestes anos, o que Trump fez foi assinar um acordo de comércio irregular, incompleto e frágil com os chineses em janeiro de 2020, que contraria as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). O acordo foi um endosso das duas maiores economias do planeta a um sistema de “comércio administrado” e um acordo explícito de facilitação de comércio em favor dos EUA, com compromissos de compras vultosos de compras por parte dos chineses e foco especial em produtos do agronegócio. Segundo o texto do acordo assinado em 15 de janeiro do último ano, na agricultura as importações da China oriundas dos EUA teriam de saltar de US$ 16 bilhões do ano de 2019 para US$ 36,5 bilhões em 2020 e US$ 44,5 bilhões em 2021.

    E o que aconteceu? Segundo estimativas do Peterson Institute for International Economics (PIIE), as compras chinesas relativas ao primeiro ano do acordo (2020) não chegaram a 2/3 do negociado. Com efeito, até novembro de 2020, as importações da China de produtos agrícolas cobertos pelo acordo foram de US$ 19,4 bilhões, em comparação com a meta acumulada no ano de US$ 31,4 bilhões. No mesmo período, as exportações dos EUA de produtos agrícolas cobertos pelo acordo foram de US$ 22,5 bilhões, em comparação com a meta acumulada no ano de US$ 29,6 bilhões. De acordo com o PIIE, os primeiros onze meses de 2020, as compras da China foram, portanto, apenas 76% (exportações dos EUA) ou 62% (importações chinesas) de suas metas acumuladas no ano.

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    A China não está cumprindo o que prometeu, mas isso não é surpresa, pois o acordo é frágil e não ataca os reais problemas dos americanos com os chineses – a exemplo dos altos subsídios e da estrutura da economia chinesa com forte presença do Estado. Ademais, as tarifas a produtos chineses e americanos no comércio bilateral continuam elevadas: antes da guerra comercial (janeiro/2018) as tarifas aplicadas pelos EUA estavam na média de 3,1% contra 19,3% em novembro/2020; as tarifas chinesas no mesmo período subiram de 8% para 20,3%.

    O novo presidente americano herda problemas sérios em relação as escolhas infelizes feito pelo seu antecessor. Comércio administrado, sanções, restrições as exportações e os EUA muito diminuídos no mundo. Talvez Biden queira manter algumas dessas medidas para ter poder de barganha (leverage) nas suas próprias negociações, mas a verdade é que o mundo não deve facilitar. E mesmo que Biden afirme constantemente que seu foco serão os problemas domésticos, comércio internacional será uma pauta com a qual ele terá que lidar, sendo ou não prioridade de acordo com a sua agenda.

    Para o Brasil fica, então, o sinal de alerta para as escolhas em termos de política e comércio internacional, nos últimos dois anos muitas vezes pautadas pelas escolhas do presidente Trump. Jogar sozinho é muito mais difícil do que jogar em grupo. Talvez seja hora de repensar a estratégia, antes que seja tarde.

    (*) Renata Amaral é Doutora em Direito do Comércio Internacional e Professora Adjunta da American University em Washington DC.

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