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Os pesticidas e o apocalipse das abelhas

A perda de colmeias põe em risco não só a apicultura como também a produção agrícola — o que pode significar a falta de alimentos

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 set 2019, 09h56 - Publicado em 27 set 2019, 06h55

“Havia uma estranha quietude. Os pássaros — para onde tinham ido? (…) As macieiras estavam florescendo, mas não havia abelhas zumbindo ao redor das flores, portanto não havia polinização, e não haveria frutos.” A descrição é da bióloga americana Rachel Carson (1907-1964), em um trecho de Primavera Silenciosa, livro no qual ela descreveu os efeitos do uso descontrolado de pesticidas em lavouras. A obra, considerada uma espécie de certidão de nascimento do movimento ambientalista, foi publicada em 1962 — mas é de uma incômoda atualidade, em especial no que se refere aos insetos lá mencionados. O Brasil, infelizmente, contribui de modo alarmante para o agravamento do problema. Na segunda quinzena de setembro, um relatório do Ministério Público de Santa Catarina revelou, por análises laboratoriais, que a morte de 50 milhões de abelhas, em janeiro passado, foi causada pelo uso de agrotóxicos nas áreas próximas às apiculturas atingidas. Entre o Natal de 2018 e o início de fevereiro deste ano, ao menos 500 milhões daqueles insetos foram também envenenados da mesma maneira em três estados brasileiros: Rio Grande do Sul (o maior produtor de mel do país), Mato Grosso do Sul e São Paulo.

O problema é global. Nos Estados Unidos, apicultores costumam perder parte de suas colmeias no inverno, em consequência da queda nas temperaturas. Contudo, em anos recentes, os prejuízos têm sido cada vez maiores. Entre 2018 e 2019, a quantidade de abelhas produtoras de mel foi reduzida em 37% após a temporada de frio. Naquele país, o zunido de preocupação começou em 2006, com o fenômeno batizado de “distúrbio de colapso de colônias”. Subitamente, os insetos em questão começaram a sumir. Até hoje não foi possível cravar um motivo, porém especula-se que as causas estejam relacionadas às mudanças climáticas, à perda de hábitat (em decorrência de devastação ambiental) e, claro, ao uso abusivo de agrotóxicos.

50 milhões desses insetos morreram em Santa Catarina apenas em janeiro passado, segundo investigação recém-divulgada pelo Ministério Público estadual

Em todo o planeta existem 20 000 espécies de abelha (no Brasil, 3 000). Ao longo da última década, os Estados Unidos, assim como nações europeias, registraram perdas de 30% de suas colmeias, ano após ano. Para a humanidade, a principal — e essencial — função das abelhas é a polinização. Cerca de 90% das plantas com flores dependem dessa ação. As lavouras polinizadas por abelhas representam 35% da produção mundial de alimentos.

Quando um agricultor se vale de defensivos agrícolas, tais produtos afetam os insetos. Às vezes, a disseminação do pesticida é feita no período de floração, o que é proibido, pois nessa fase as abelhas agem sobre as flores. Há casos em que os fazendeiros pulverizam o veneno à beira da mata — algo também não permitido —, porque acreditam que as pragas vêm da floresta.

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NO CAMPO Norman Borlaug (com trigo na mão), mentor da Revolução Verde: produtividade e agrotóxicos (//Reprodução)

No Brasil, as primeiras mortes em massa de abelhas foram registradas no mesmo período em que os Estados Unidos começaram a detectar o problema, entre 2005 e 2008. Por aqui, a mortandade veio à tona junto com práticas até então inéditas adotadas por produtores de cana e da cultura de citros em São Paulo. “Quando a queimada foi proibida na produção de cana, os agricultores recorreram a pesticidas. No caso dos citros, uma nova doença fez com que se buscassem fortes venenos”, explica o biólogo Osmar Malaspina, pesquisador da Unesp e especialista em abelhas. “As espécies brasileiras são resistentes. Não temos mortes causadas pelo inverno ou por doenças. As abelhas daqui são vítimas de agrotóxicos”, garante ele. De acordo com o Greenpeace, desde o início deste ano o governo liberou o uso de 353 novos venenos. “A velocidade com que se está aprovando isso mostra que se trata de uma escolha política”, diz Marina Lacôrte, especialista em agricultura do Greenpeace.

Esse modelo de agricultura foi desenvolvido durante a Revolução Verde, a partir da década de 40. Em 1944, o agrônomo americano Norman Borlaug foi para o México com a missão de melhorar a produtividade agrícola. Ele criou outras espécies de trigo, em trabalho precursor de edição genética, que culminaria com o Nobel da Paz. No entanto, seu método logo adotaria os pesticidas. A iniciativa trouxe benefícios inegáveis: entre 1960 e 1990, houve um aumento de 13% na produtividade agrícola em países em desenvolvimento; e, sem a Revolução Verde, os alimentos seriam hoje, no mínimo, 35% mais caros. Todavia, deu-se um reverso recente. Entre 2016 e 2018, a fome no mundo aumentou 6,3% e, hoje, atinge 821 milhões de pessoas — em parte, por efeito da destruição do meio ambiente. Se o excesso no uso de agrotóxicos continuar, a consequência pode ser trágica: sem a polinização das abelhas, poderá faltar comida para um número ainda maior de pessoas.

Publicado em VEJA de 2 de outubro de 2019, edição nº 2654

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