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Miscigenação é uma constante na história da humanidade, diz cientista

Coautor de 'Jornada de Nossos Genes', Johannes Krause participa de palestra e mesa-redonda sobre arqueogenética na USP, na terça-feira, dia 8 de novembro

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 7 nov 2022, 05h00

Coautor do livro A jornada dos nossos genes (Sextante) em parceria com o jornalista Thomas Krauppe, o cientista alemão Johannes Krause está no Brasil para visitar o primeiro laboratório de arqueogenética do Brasil, no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade de São Paulo. Diretor do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, Krause supervisionou a transferência de tecnologia para as novas instalações, que foram financiadas – com cerca de dois milhões de reais – pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Na terça-feira, dia 8, na USP, o cientista fará a palestra Arqueogenética e a história profunda da humanidade: dos neandertais à peste negra. Krause abordará a história humana nos últimos 100 mil anos, com destaque para os estudos sobre o sequenciamento do genoma neandertal, confirmando que essa espécie extinta miscigenou com humanos modernos. Em seguida, haverá uma mesa-redonda com a participação de Kathrin Nägele (Max Planck Institute), André Strauss (MAE) e Tábita Hünemeier (Instituto de Biociências da USP). A mediação será da jornalista Ana Bottallo, da Folha de S. Paulo.

A seguir, Krause fala, em entrevista a VEJA, sobre a arqueogenética, sobre as ondas migratórias, sobre a miscigenação entre espécies humanas e sobre como tudo aponta para a África. As perguntas e respostas foram editadas em favor de uma maior clareza.

O que é, em termos simples, a arqueogenética?

Essa é uma disciplina nova. O termo em si foi cunhado na década de 1990, mas o campo realmente começou a existir nos últimos dez anos. Como diz o nome, é uma combinação de arqueologia e genética. Usamos objetos do passado para fazer análises genéticas. Como resultado, isso pode nos dizer algo sobre a evolução. Por exemplo, podemos olhar para os neandertais, que são uma forma humana extinta, e entender como eles são diferentes das pessoas que ainda vivem no planeta hoje. Como as espécies mudaram ao longo do tempo, como conviveram em algum momento, como se relacionaram entre si e como se movimentaram pelo planeta.

O que muda, da nossa perspectiva hoje, do que temos estudado sobre a evolução da humanidade no mundo?

Quando estudamos evolução, estamos olhando para trás centenas de milhares de anos. Comparamos as pessoas modernas com outras formas extintas de humanos para observar as diferenças entre ambos. Entre neandertais, denisovanos e outras espécies, somos os únicos que sobreviveram. De certa forma, nós temos algo que eles não têm, certo? O DNA nos permite dizer: de fato, temos esse e esse genes que nos diferenciam. É nisso que estamos trabalhando agora no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva. E a arqueogenética nos permite fazer isso. Então essa é a perspectiva de longo prazo.

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EM FAMÍLIA - Neandertal: relações de parentesco descobertas pelo DNA -
EM FAMÍLIA - Neandertal: relações de parentesco descobertas pelo DNA – (Joe McNally/Getty Images)

Há também outra perspectiva, que é desvendar as correntes migratórias. Nesse sentido, quais são as principais descobertas?

Há duas descobertas principais nos últimos dez anos. São duas grandes migrações que moldaram a composição genética das pessoas que vivem na Europa hoje. Ou seja, depois que as primeiras pessoas, os primeiros humanos modernos, chegaram à Europa há 270.000 anos, não aconteceu muita coisa por 30.000 anos. Mas cerca de 80.000 anos atrás, há uma grande migração da Anatólia, na Turquia moderna, substituindo em grande parte a população europeia. E essas pessoas trazem trazem um novo estilo de vida, com agricultura, animais domésticos e sedentarismo. A maior parte da composição genética das pessoas que vivem na Europa hoje vem dessa migração da Anatólia.

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E o segundo evento migratório?

Há ma segunda migração em grande escala acontece cerca de 5.000 anos atrás, com uma população que vem da Europa Oriental, ao norte do Mar Negro, ao norte do Mar Cáspio. E essa população se expande para o leste. Basicamente, se move da Europa Oriental para a Grã-Bretanha, Suécia, Península Ibérica e assim por diante. Poucos lugares não foram impactados por essa migração, por exemplo, as grandes ilhas, como Sardenha e Córsega. Essa é uma migração diferente, muito mais rápida que a primeira que falei. É em grande parte impulsionado por indivíduos do sexo masculino. São os homens que parecem estar se movendo mais do que as mulheres naquele momento. E vêm com novas invenções, como a roda e a carroça. Portanto, são pastores que trazem seus rebanhos de ovelhas e gado e têm um estilo de vida realmente móvel. Eles provavelmente também trazem as línguas indo-europeias que são faladas na maior parte da Europa hoje.

O que essa prevalência masculina quer dizer?

A segunda migração é um pouco mais difícil de explicar, há muita especulação. Pode ser que esteja relacionada a doenças que foram introduzidas, porque é a primeira vez que vemos a peste. A tecnologia, como acabei de mencionar, pode ter desempenhado um papel importante. Mas também pode ter havido conflitos, algum tipo de guerra inicial ou algo assim. Também é especulação. E, claro, pode haver outras coisas que aconteceram na Europa que não são visíveis para nós, como mudanças ambientais que causaram o declínio da população local, abrindo caminho para pessoas com outros recursos.

E eles se misturam, obviamente?

Sim, quem chega se mistura com a população local. Mas os imigrantes substituem em grande parte todos os cromossomos Y (que é herdado do pai). No Brasil, a quantidade de cromossomos Y nativos é de menos de 5% das pessoas. Isso significa que as misturas foram influenciadas em grande parte por um desequilíbrio de poder. Os colonizadores tinham mais acesso às mulheres e, portanto, tinham a chance de se reproduzir. Enquanto a população local não tinha. Por isso, a quantidade de cromossomos Y da Europa é tão forte no Brasil. E o nativo é muito, muito baixo. Na verdade, há mais cromossomos brancos africanos, porque havia escravidão e as pessoas eram trazidas da África. De certa forma, não é inesperado, dada a história que conhecemos. Mas também é interessante que possamos ler isso no DNA das pessoas de hoje.

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Pode-se afirmar, então, que essa mistura entre populações nos torna melhores como seres humanos?

Eu não diria isso. A miscigenação é uma constante. Faz parte da nossa história. E é isso que vemos quando estudamos arqueogenética. Como acabei de dizer, a Europa recebeu populações vindas da Anatólia, hoje a Turquia moderna, e do que é o sul da Rússia. Se você contar a um nacionalista alemão que metade de seus genes vêm da Turquia, tenho certeza que ele não ficará feliz. Mas essa é a verdade, certo? Geneticamente, somos todos africanos.

Pode-se dizer, então, que a humanidade nasceu na África?

Sim, essa é a teoria vigente desde a década de 1980. Com os primeiros sequenciamentos de DNA, vimos que tudo remonta à África de 50.000 anos atrás. Temos entre 1% e 2% de DNA neandertal. Na Ásia, ao leste e no sudeste, populações de Papua Nova Guiné e os aborígenes australianos carregam 5% de DNA denisovano. De qualquer forma, em ambos os casos, mais de 90% da composição genética vem do continente africano. O curioso é que há populações como os Dinka ou os Hadza, caçadores-coletores da África Oriental, que estão mais relacionados com as pessoas que vivem fora da África do que com as pessoas que vivem na África Ocidental ou no sul da África. Se fizermos uma árvore genealógica, viemos todos do leste da África.

Muita gente deve estar se perguntando sobre a cor da pele.

A cor da pele é provavelmente a única coisa que as pessoas têm em mente quando pensam em como somos diferentes. Em todos os lugares próximos ao equador o tom de pele é escuro. Nas Filipinas, na Austrália, em Papua Nova Guiné, no sul da Ásia e na Índia, nas terras altas do Peru e da Bolívia, as pessoas têm a pele muito escura. Não tem muito a ver com raças ou grupos, é mais uma adaptação ao meio ambiente. A cor da pele tem apenas alguns milhares de anos. Dez mil anos atrás, até as pessoas na Europa tinham pele escura. Tornamo-nos brancos quando criamos a agricultura e mudamos nosso estilo de vida.

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