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Genes da monogamia

Estudo aponta variações do DNA que indicam a tendência de uma espécie a permanecer para sempre com um único parceiro. Aviso: a lógica não vale para humanos

Por André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 19h58 - Publicado em 18 jan 2019, 07h00

Quem quer manter uma relação matrimonial fiel pode se mirar nos flamingos. A ave, de belíssima plumagem, é famosa por ter usualmente um único parceiro sexual ao longo da vida. O símbolo dessa união é a forma como o macho e a fêmea entrelaçam os pescoços. A notoriedade do casamento dos flamingos se justifica. A monogamia é rara no reino animal — e, convenhamos, entre os humanos também.

O que levaria certas espécies a ser inabalavelmente fiéis do ponto de vista conjugal? Um estudo publicado no início deste mês pode ter encontrado a resposta da ciência para essa questão intrigante. Biólogos da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, analisaram o DNA de dez espécies divididas em pares cujos membros pertenciam à mesma linha evolutiva, a fim de permitir comparações. Cinco eram animais monogâmicos e cinco poligâmicos. Do grupo constavam quatro mamíferos, dois anfíbios, dois peixes e duas aves — nenhum flamingo, devido à inexistência de primos, digamos assim, promíscuos, que possibilitassem o contraponto com os fiéis. Com tal amostragem, foi possível identificar, por meio de características genéticas, o que faz, por exemplo, a ratazana-da-pradaria ser monogâmica, enquanto o rato-do­-mato, seu parente próximo, se comporta de maneira poligâmica. No trabalho, os pesquisadores levantaram 24 variações genéticas que indicam a tendência de alguns animais a se dedicar a um único parceiro sexual.

A configuração do chamado “kit monogâmico” é ligada a genes que também colaboram para melhores habilidades cognitivas, como aquelas ligadas à memória. Acredita-se que isso ocorra como um modo de capacitar o animal para conseguir reconhecer seu parceiro eterno, sua prole e o ninho compartilhado pela família. A preferência pela monogamia traria vantagens ante a seleção natural. Apesar de a característica resultar em menor número de descendentes, a união indestrutível entre parceiros levaria à criação de uma cumplicidade maior diante de outros desafios, como o enfrentamento de predadores. Além disso, o cuidado com os filhotes seria maior, o que garantiria a sobrevivência deles até a vida adulta.

“No futuro, a intenção é usar manipulação genética para alterar a tendência monogâmica para poligâmica”, disse a bióloga Rebecca Young Brim na divulgação do estudo. Por que diabos os cientistas querem tornar os animais libertinos?! É simples: algumas espécies já se extinguiram em consequência da monogamia. Com o aumento da presença humana em seus hábitats, cresceu igualmente a caça. Quando um desses animais monogâmicos é morto, seu parceiro não procura outra companhia sexual — e a espécie vai desaparecendo. Foi o que ocorreu na década de 70 com o macaco-colobo-vermelho-de-miss­-waldron, primata do Arquipélago de Zanzibar, onde era endêmico. Atualmente, animais como a pomba rola­-brava, nativa da Península Ibérica e usada na pesquisa americana, correm o mesmo risco — e poderiam ser beneficiados pela alteração do DNA.

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É preciso, contudo, sublinhar que em humanos a situação é distinta. Nada indica que determinações genéticas levem à monogamia ou à poligamia. “Não há prova de que a definição social desse comportamento tenha algum tipo de influência do DNA”, declarou Rebecca. Em uma palestra num evento TED, o psicólogo americano Christopher Ryan, autor de Sex at Dawn (Sexo ao Alvorecer), resumiu a questão: “Somos naturalmente poligâmicos, como chimpanzés e bonobos. A monogamia surge somente no processo civilizatório. A mulher comprometeu-se a ficar com um único homem em troca de proteção, abrigo e comida, enquanto o homem, por sua vez, teria assim a certeza de que seus filhos realmente seriam dele”. Não por acaso, a “infidelidade” não é alheia ao contexto social. Ao mesmo tempo, frisa Ryan, somos uma das poucas espécies — ao lado de alguns primatas e outros casos raríssimos — que não se importam com determinações naturais no momento das relações sexuais. Promovemos, por exemplo, o sexo recreativo. Enquanto entre mamíferos o comum é que nasça um descendente a cada doze relações, entre humanos isso só ocorre a cada 1 000 encontros sexuais. Que, aliás, não muito raramente acontecem com mais de um parceiro. Os flamingos são mesmo diferentes.

Publicado em VEJA de 23 de janeiro de 2019, edição nº 2618

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