Entrevista: o Nobel da Física que se encontrou com Bolsonaro
Russo que isolou o grafeno, material muito citado pelo presidente, concede entrevista na qual defende o fortalecimento da ciência para o crescimento do país
Na primeira semana de setembro, o físico russo Konstantin Novoselov, que recebeu o Prêmio Nobel da Física em 2010 por ter isolado o grafeno – em trabalho conjunto com o físico holandês André Geim, em 2004 –, desembarcou no Brasil. A convite do Instituto Illuminante de Inovação Tecnológica e Impacto Social, Novoselov veio para uma agenda de palestras, encontros com empresários e acadêmicos, e também se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto. O que Bolsonaro teve a tratar com o Nobel?
Fã assumido do nióbio, material cuja maior reserva encontrada até hoje está no Brasil, mas também do grafeno, que é extraído a partir do grafite, Bolsonaro já criticou a criação de terras indígenas por dificultar a exploração de recursos minerais como estes. No caso do grafeno, a substância é considerada por alguns como potencialmente mais revolucionária do que o plástico – o material é o mais leve, resistente e fino que existe, além de ser supercondutor. Ele poderá ser usado, por exemplo, na desintoxicação e filtragem de água, na recarga de baterias, em captação de energia solar, na construção de computadores mais rápidos e com maior armazenamento, dentre outras diversas possibilidades.
Novoselov falou ao site de VEJA sobre como a substância vem sendo usada em novas aplicações, quais as perspectivas para o futuro e a importância de se investir em ciência.
Desde 2004, quando o grafeno foi isolado em laboratório, em trabalho liderado pelo senhor, quais avanços aconteceram? Surpreendentemente, mesmo depois de 15 anos, ainda estamos descobrindo novas propriedades interessantes do grafeno. Ele ainda é importante na agenda científica. Ao mesmo tempo, já fez caminho em aplicações, em paralelo com a ciência, e todos os meses vemos novos produtos no mercado, que usam o grafeno. Ele segue o passo de outros materiais que se popularizaram antes na civilização, com usos em esportes, baterias, na indústria da energia, dentre outros. É pesquisado para várias funcionalidades, incluindo em eletrônicos.
De que forma temos que avançar agora? Não sou bem um defensor do grafeno. Não vou empurrar esse material, caso ele não possa mais ser usado ou não seja interessante. Isso tem de ser motivado pelo mercado. Precisamos de métodos de produção em massa para permitir que ocorra em larga escala. Então, para cada nova implementação, há todo o contexto por trás para torná-la viável. Temos que descobrir como casar o grafeno com outras tecnologias. Se quisermos usá-lo com eletrônicos, temos que combinar com sílica e fazer a junção funcionar, por exemplo.
O senhor não é um defensor do grafeno? Não.
Por que não? Por que deveria ser? Sou um cientista. Cientistas são promíscuos. Dormimos com quem pagar o melhor prêmio. Acontece que durante os últimos quinze anos o grafeno foi o material mais divertido. Mas também estou aberto a mudar minha área de estudo para outros produtos.
O senhor tem algo contra o grafeno? Penso que a beleza da ciência é possibilitar a mente aberta. Se outra coisa oferecer maiores avanços, temos que trabalhar com essa outra coisa.
O Brasil é um país com muitos recursos naturais. Há espaço para competirmos no mercado de grafeno? Os melhores recursos de qualquer país são as pessoas. Há muitos cientistas bons no Brasil e isso é o importante. Atualmente vemos a guerra por talentos, e não por recursos naturais. Os talentos precisam ser valorizados. É bom ter acesso ao grafeno, mas a ciência está bastante avançada no Brasil e isso é o que importa.
Muitos dos cientistas brasileiros estão deixando o país. É um bom movimento? O fato de ir para o exterior não é ruim por si. A migração de cientistas normalmente é boa, ela só precisa ser balanceada. O mesmo tanto que sai, deveria entrar. Muitos dos meus antigos alunos estão no Brasil, fazendo ciência por aqui. Acredito que é importante apoiar esse processo de migração e continuar a investir para tornar o Brasil um lugar atraente para jovens talentos.
E quando há corte de recursos para a Educação, como tem ocorrido no Brasil? A ciência é um brinquedo caro. Temos que perceber que a engenharia científica é o motor que move a economia. Notar isso possibilita um grande impacto, em longo prazo. É a minha sugestão para todos os países, não só para o Brasil: investir em ciência e tecnologia.
O presidente Jair Bolsonaro, com quem o senhor se encontrou, é um grande fã do grafeno. Para defender a exploração do material, criticou a criação de terras indígenas e a preservação do meio ambiente. A exploração do grafeno precisa prejudicar o meio ambiente? Em geral, defendo a mineração menos agressiva possível. Mas não acho que o grafeno é um problema nesse aspecto. É o material que menos causa impacto. Se você pegar todos os telefones celulares do mundo, só precisa de 60 quilos de grafeno para substituir todas as telas touch screen desses aparelhos. A substância é fina e leve. Outras áreas exigem mais grafeno, mas é administrável em comparação à quantidade de grafite que usamos para as baterias de lítio. Se brasileiros mudarem o foco da tecnologia para o grafeno, será mais tolerante em relação à natureza e aos recursos naturais. Investir em negócios de alta tecnologia vale a pena também por isso.
Não precisa haver conflito? Sempre pegamos recursos da natureza. Toda a mineração vem da natureza. Como o grafeno exige tecnologia e indústria de alta qualidade, ele é o menos impactante de todos os materiais, nesse sentido.
Quando estiver totalmente disponível, como perceberemos a presença do grafeno em nossas rotinas? Celulares têm grafeno, alguns carros o têm. Talvez um dia você acorde e tudo seja feito com grafeno. Mas será um movimento gradual, não da noite para o dia.
Quais problemas podem ser resolvidos com essa substância? Não sabemos ainda. Acredito que descobriremos, por exemplo, aplicações na indústria da saúde, como na construção de membranas controláveis, para vários propósitos, como em órgãos e tecidos artificiais.
Qual é a importância dos centros de pesquisa específicos para o grafeno? Há alguns centros de pesquisa ao redor do mundo. Ficou óbvio que precisamos desses espaços para unir a ciência, a tecnologia e o marketing. É importante unir as leis da física com as leis do mercado. Criar novos laboratórios no Brasil, por exemplo, representaria uma vantagem incrível.
O que falta para permitir a evolução dessa nova indústria? Fico frustrado com a falta de investimento.