Entre na linha com seu DNA
A dieta baseada em um exame que revela as predisposições genéticas de cada pessoa pode ser a receita para uma vida saudável — associada, é claro, a uma rotina adequada de exercícios físicos
O grego Hipócrates (460 a.C.-375 a.C.), o “pai da medicina”, jamais duvidou que a dieta fosse a receita mais apropriada para uma vida saudável. Mas, antes que essa constatação soe como uma obviedade, vale lembrar que, na língua grega, a palavra díaita – da qual se originou o termo “dieta” – significa “modo de viver”. Não por acaso, Hipócrates escreveu: “Se pudéssemos dar a cada indivíduo a quantidade correta de alimentos e de exercícios, nem muito pouco nem em excesso, encontraríamos o caminho seguro para a saúde”. O que o médico dos médicos receitava, portanto, era mais do que um regime alimentar: ele se batia por um “estilo de vida”. Contudo, apesar de esse conhecimento ter começado a se disseminar há quase 2 500 anos, continuam na ordem do dia “receitas” que prometem boa forma por meio de um sem-número de regimes “miraculosos” – muitos deles com enorme vocação para transformar-se em modismos. Não é incomum que convoquem em seu auxílio até mesmo procedimentos médicos, como a cirurgia bariátrica, para quem não necessita deles. São os representantes de uma autêntica “indústria da fraude”.
Na contramão de tais procedimentos, e – quem diria – mais afinada com o pensamento do velho Hipócrates, encontra-se uma novidade científica: a dieta genética. Nela, levam-se em conta as variações genéticas individuais para determinar cardápios e tipos de exercícios e esportes ideais para o organismo de cada pessoa – indicando assim o “caminho seguro para a saúde”.
A dieta dos genes é o resultado direto do exponencial desenvolvimento das pesquisas e das tecnologias genéticas alcançadas nos últimos anos. Se quase um século separa o médico suíço Friedrich Miescher, que em 1869 isolou pela primeira vez o DNA, da descoberta da estrutura dessa molécula, em formato de dupla-hélice, realizada pelos cientistas James Watson e Francis Crick em 1953, a partir daí o campo da genética avançou de maneira extraordinariamente rápida. Em 2003, chegou-se ao mapeamento completo dos genes humanos, com o Projeto Genoma. No mesmo ano, foi inaugurado o Centro de Nutrigenômica dos Estados Unidos, cujo objetivo era estudar justamente as relações entre nossos genes, as doenças – e as dietas. Surgiram, então, dois campos de estudos: a nutrigenômica, que analisa os efeitos de alimentos consumidos nos genes, e a nutrigenética, pela qual se pesquisa como a constituição de cada um afeta a dieta e a prática de exercícios físicos.
De início, acreditava-se que estariam nos genes todos, absolutamente todos, os segredos da vida – inclusive a resposta para o fato de algumas pessoas serem mais magras ou contarem com alguns quilos a mais do que outras. Essa fase foi resumida assim pelo geneticista americano Craig Venter, que, ao lado do conterrâneo Francis Collins, criou o primeiro esboço do sequenciamento do genoma humano, em 2000: “Tinha-se uma compreensão ingênua e equivocada de que o DNA determinaria todos os traços do organismo e da personalidade”. Há três anos, o ambicioso projeto Encode (sigla em inglês para Enciclopédia de Elementos do DNA) deu um passo adiante ao descobrir que há, sim, genes que determinam características hereditárias – como a tendência a comer mais mesmo sem ter fome -, mas também existem outros, os chamados epigenes, que se modificam em consequência de hábitos cotidianos e correspondem a 2% da composição do genoma. Alguns desses epigenes, por exemplo, ajudam um atleta a queimar mais calorias, acumular menos gordura ou ter um metabolismo acelerado.
A dieta genética procura balancear exatamente esses dois aspectos: as determinações hereditárias para engordar, ou emagrecer, e os costumes diários. Mais Hipócrates, impossível.
Em oito meses, VEJA coletou amostras de DNA de oito personalidades, como cantores, atores e atletas, que mantêm rotinas distintas. As informações foram enviadas à empresa inglesa My Gene Diet, responsável por identificar as determinações genéticas e indicar a melhor alimentação e os esportes ideais a cada uma delas. O resultado passou pelo exame da endocrinologista Andressa Heimbecher, da Sociedade de Endocrinologia americana: ela analisou o cotidiano dos participantes, comparando-o com as características dos genes, para sugerir hábitos adequados.
Com reportagem de Gabriela Neri, Marina Morelli e Raquel Beer
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