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Descobertas mostram como o ser humano é capaz de reter imagens no cérebro

Estudos se voltam à nossa memória visual, ferramenta essencial para a sobrevivência

Por Duda Monteiro de Barros, Gustavo Silva 1 abr 2023, 08h00

Nos primórdios da história, um tempo de linguagem pouco desenvolvida e escassa troca de informações, os hominídeos, ancestrais dos humanos, tinham a memória como grande aliada para refazer as rotas que levavam às fontes de água, aos pés de frutas sem teor tóxico e às cavernas que ofereciam maior segurança. Protegida por essa primitiva capacidade de armazenar um vasto conjunto de imagens ao mesmo tempo, a espécie foi prosperando e evoluindo. Sem esse potente HD mental, a revolução agrícola, que marcou a passagem da vida nômade para uma existência sedentária, provavelmente não teria se desenrolado como relatam hoje os livros de escola. Pois foi a associação entre as formas das plantas e seu período de plantio e colheita — tudo visualmente memorizado — que serviu de base para a reviravolta que moldaria os destinos da humanidade.

Nesse amplo campo que não para de ser investigado pela ciência, uma recente descoberta reforça o que outras vinham sinalizando: a memória visual humana, já identificada em tão longínqua era, é muito superior ao que se imaginava. Depois de aplicar uma batelada de testes cognitivos em um grupo de centenas de pessoas e observar seu cérebro em ação por meio de avançados aparelhos, pesquisadores do Brigham and Women’s Hospital, prestigiado centro de estudos sobre psicologia e neurologia nos Estados Unidos, mapearam a frenética absorção de estímulos visuais — um processo que põe para trabalhar as principais regiões da mente, entre elas o córtex pré-frontal, local de registro instantâneo daquilo que se vê, e o hipocampo, que consolida a memória de longo prazo (veja na ilustração abaixo).

arte memória

Ao fim do extenso levantamento, eis que os cientistas chegaram à conclusão de que os indivíduos têm o potencial de guardar o triplo de dados visuais do que costumava aparecer em aferições semelhantes. “É um resultado bastante expressivo, que enfatiza quão afiada é essa capacidade humana”, disse a VEJA Jeremy Wolfe, doutor em psicologia pela Universidade Harvard, um dos autores do estudo. O que está em jogo são lembranças de naturezas variadas, que enlaçam tempo e espaço — da localização do carro em um estacionamento apinhado ao trajeto para certo destino, do lugar onde repousa um produto no mercado a fragmentos comoventes da infância. “Quanto mais feliz o momento, mais ele tende a ficar armazenado, já que o cérebro entende sua relevância, ao mesmo tempo que, como mecanismo de defesa, pode apagar detalhes de episódios traumáticos”, explica o neurocientista Fabiano Agrela.

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A visão representa 80% de tudo o que os cinco sentidos captam juntos. Ela é permanentemente bombardeada de informações, algumas logo descartadas. O excesso de estímulos no entorno dos habitantes desta era moderna é um desafio e tanto para o cérebro, em sua constante função de separar o que vale guardar. É também, surpreendentemente, uma vantagem para a memória visual, segundo aponta o estudo americano. Ele constata que, diante de um cenário superlotado de informações, a mente humana se sai muito bem, memorizando em questão de segundos uma quantidade notável de imagens, sobretudo quando não faz esforço para reter o que vê. Curiosamente, quanto mais intenso é o empenho para registrar uma determinada situação, pior será o desempenho dos neurônios unidos na teia que desemboca na memória. “Pode soar um paradoxo, mas somos especialmente bons em lembrar quando direcionamos menos atenção a um objeto ou situação”, diz Ivan Okamoto, do Núcleo de Excelência em Memória do Hospital Albert Einstein.

Decifrar os mecanismos da memória humana começou a se apresentar como uma área de estudos em 1885, quando o psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus publicou um livro em que pela primeira vez era descrita a mecânica do esquecimento. Um século e muito conhecimento acumulado depois, foi a vez de uma pesquisa encabeçada pelo sueco Anders Ericsson introduzir a ideia de que a capacidade de armazenamento do cérebro pode ser expandida à base de treino e prática. No início dos anos 2000, o neurocientista austríaco Eric Kandel mostrou que as pessoas só retêm informação quando percebem nela algum valor, trabalho que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Medicina. Mais recentemente, com os avanços da tecnologia, foi possível identificar o gene que, no curso da história, contribuiu para o gradativo aumento do tamanho do cérebro, aprimorando-se assim habilidades cognitivas e a própria memória — ferramenta vital para a sobrevivência.

Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835

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